Nossos extremismos
As notícias no campo da política nas últimas semanas estão tomadas pelo extremismo, por um certo número de atos violentos que até bem pouco tempo não eram comuns no Brasil
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em 29 de nov de 2024, às 11h57
Por João Gualberto
As notícias no campo da política nas últimas semanas estão tomadas pelo extremismo, por um certo número de atos violentos que até bem pouco tempo não eram comuns no Brasil. Antes pelo contrário, nossa sociologia sempre falou do homem cordial e do caráter mais alegre de nossa gente, de relações menos tensas na nossa sociedade. Nós sabemos que boa parte dessa cordialidade esconde nossa natureza hierarquizada, violenta e impregnada de um machismo tóxico. O coronelismo que marca nossa história política é prova concreta disso. No tempo dos coronéis os grupos armados que sustentavam o poder no interior do país eram muito comuns, assim como a pressão que eles exerciam sobre os mais vulneráveis. A troca ostensiva de votos por favores é outra dessas marcas.
De fato, a violência sempre esteve bem presente na nossa política, mas não da forma como está instituída hoje. Estamos vivendo um momento diferente, em que passamos a conviver com práticas ligadas à divisão por ideologias e por grupos de lideranças. De modo contrário ao que historicamente sempre vimos, com as grandes disputas nos municípios ligadas às eleições, agora temos um processo mais permanente, que nos acompanha todos os dias e em todas as instâncias, atingindo um nível de radicalização muito alto.
As notícias que nos chegam falam de um homem-bomba em Brasília – ao que eu saiba, o primeiro da história política brasileira – além da tentativa de assassinato do Presidente da República, de seu vice e do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Todos esses são fatos novos entre nós. Eu arrisco afirmar que na política a violência subiu de escala, passando a fazer parte do nosso cotidiano de forma diferente. Nem mesmo os golpistas de 1964 foram tão longe.
Até alguns anos atrás havia disputas acirradas que dividiam famílias e cidades. No tempo dos velhos partidos – PSD, UDN, PTB e outros – cada reduto eleitoral tinha seus chefes políticos, que controlavam a vida e os cargos públicos. Quando os chefes disputavam as eleições os seus partidários ficavam inflamados, o que sempre gerava algum enfrentamento mais vigoroso.
Passados esses momentos todos voltavam à antiga convivência, toleravam-se bem, mesmo que cada bolha buscasse seu espaço. O atual tempo das redes sociais, porém, mudou tudo isso. Agora o relativo anonimato, a comunicação massiva, os grupos de whatsapp, nos quais todos se expressam de forma muito convicta, gerou uma possibilidade de conflito que antes não estava colocada. Creio que mereçam atenção especial as chamadas fake news, em bom português as mentiras mesmo. O mundo das redes sociais é o campo das intrigas, das maledicências e das provocações. Como é tudo muito novo, não há regras capazes de conter a mentirada que rapidamente se espalha.
As pessoas mais velhas, que já se encontram fora do mundo do trabalho e das múltiplas ocupações do dia a dia, e, portanto, têm mais tempo disponível, são as mais vulneráveis. Como entraram tarde nesse novo universo digital, deixam-se levar pelas mais grosseiras montagens, divulgam farsas elementares julgando que estão contribuindo para uma revolução, para denúncias graves. Não se dão conta de que são um exército iludido de pessoas bem-intencionados a serviço de uma ordem que não se sabe onde está.
As redes sociais passaram a ser o lugar do extremismo político, onde milhões de analógicos divulgam o que não sabem se é verdade e sem nenhuma consequência. Desse modo, o universo das intrigas, que sempre fez parte das nossas vidas, passou a alcançar outra dimensão.
O nosso mundo da fofoca e da violência ganhou a potência das redes sociais. Nesse mundo, os novos líderes – com destaque especial para os extremistas de uma nova direita – desempenham um papel especial. Os horrores do machismo, de um patriotismo anacrônico, de patamares de linguagem chula e violenta viraram o playground dos avôs e das avós brasileiras. Dessa forma foi aos poucos se naturalizando uma violência verbal que antes não havia entre nós, pelo menos não nessas proporções. Os homens-bomba, aqueles que quebraram tudo no prédio do Supremo Tribunal Federal, aqueles que apoiam os que desejam matar o presidente, nascem todos nesse metaverso. São levados a pensar podem tudo.
A defesa da liberdade de agressão marca a narrativa política dos novos tempos e dos velhos senhores e senhoras do nosso mundo social. Daí nascem desejos que pareciam sepultados, como o do retorno da ditadura militar, que terminam por se disseminar no seio das famílias mais conservadoras. Creio que isso está longe do fim. Somente com a disciplina nas redes sociais, com a criminalização do compartilhamento irresponsável de mentiras, esses ataques virtuais começarão a diminuir. Até lá precisaremos de muita paciência e diplomacia para lidar com esse novo universo virtual cheio de homens-bomba, de amigos e familiares com seus discursos inflamados e agressivos nas mensagens pelas redes sociais.
** João Gualberto é pesquisador e professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA), e já foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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