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Política

Câmara aprova reforma que altera a Lei da Ficha Limpa e fragiliza a transparência eleitoral

O texto aprovado proibirá que recursos dos partidos possam ser dados como garantia ou bloqueados e permitirá que siglas em federação desprestigiem candidaturas femininas

Por Estadão

9 mins de leitura

em 14 de set de 2023, às 08h51

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados aprovou no período da noite da quarta-feira (13), por ampla maioria, projeto que altera a Lei da Ficha Limpa e fragiliza a transparência eleitoral e a prestação de contas, batizado de “minirreforma eleitoral”. O texto aprovado proibirá que recursos dos partidos possam ser dados como garantia ou bloqueados e permitirá que siglas em federação desprestigiem candidaturas femininas. Foram 367 votos favoráveis, 86 contra e uma abstenção.

A proposta, fatiada em dois diferentes projetos de lei, foi alvo de contestação de organizações de transparência eleitoral e movimentos anticorrupção eleitoral. Mesmo assim, trechos polêmicos – sobretudo no que afeta a inelegibilidade de candidatos cassados – avançaram.

A Câmara aprovou o texto principal do primeiro projeto na quarta-feira. O segundo será votado nesta quinta-feira (14).

A proposta de minirreforma eleitoral altera as regras de contagem de tempo para um político condenado ser impedido de disputar eleição. O relator optou que a data da eleição é o marco inicial para o prazo de máximo de oito anos de contagem para a inelegibilidade. Isso pode encurtar o prazo de um político punido voltar a disputar uma eleição. Atualmente este prazo começa a correr “após o cumprimento da pena”.

Tanto o PT, de Luiz Inácio Lula da Silva, como o PL, de Jair Bolsonaro, orientaram voto favorável à minirreforma. Apenas duas legendas orientaram contrariamente: o Novo e o PSOL.

“Este projeto de lei simplesmente está vedando qualquer sanção que envolva dinheiro. Faz com que não tenha penhora, bloqueio. O que a gente está falando aqui é aumento de impunidade para quem faz coisas ilícitas com dinheiro”, disse Adriana Ventura (Novo-SP).

A proposta aprovada na Câmara é alvo de críticas de especialistas. “O prazo efetivo de inelegibilidade será menor do que oito anos, pois a condenação transitada em julgado produz o efeito mais amplo da suspensão dos direitos políticos”, argumenta o especialista em Direito eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. “É como se o condenado criminalmente e por improbidade administrativa tivesse, afinal, uma vantagem em relação a outros casos de inelegibilidade.”

O relator dos projetos, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), alegou que a proposta é um avanço apesar de alterar os prazos de inelegibilidade. “Estamos prestigiando a essência prestação da Ficha Limpa. Ninguém vai tocar nesse ponto”, disse.

O deputado Gilson Marques (Novo-SC), porém, contesta a versão e fala que aumentará o novo prazo de inelegibilidade aumentará a impunidade. “Estamos facilitando e até incentivando crimes”, refutou.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) foi um dos que defenderam a iniciativa. “O acordo feito foi para corrigir problemas. (Esses problemas) estão sendo tratados, resolvidos, foram exaustivamente debatidos ontem terça-feira na reunião da presidência, e está em votação”, afirmou.

O PSOL criticou a velocidade da iniciativa. Em pouco menos de dois meses, a Câmara instituiu um grupo de trabalho que produziu os dois projetos que tiveram a urgência aprovada na Câmara nesta quarta-feira.

“O texto da minirreforma eleitoral foi publicado ontem terça. Uma minirreforma que aborda vários temas e retrocede em muitos”, disse Fernanda Melchionna (PSOL-RS). “Mais uma vez uma mudança nas regras eleitorais, que, infelizmente, não ampliam o controle público, a transparência e o direito de minoria. Ao contrário. Temos muitos retrocessos.”

A Câmara deseja que a proposta seja sancionada até o dia 6 de outubro deste ano para que ela possa valer para as eleições municipais de 2024.

Há também textualmente a permissão para que candidatos possam fazer subcontratações durante a campanha, sem prestar contas de quem recebeu o dinheiro. Isso significa que candidatos não precisarão informar dados sobre pessoas subcontratadas por empresa terceirizada que prestará serviços na campanha.

Com isso, não é possível saber quem foi contratado, como os funcionários atuaram e quais os valores foram repassados, o que abre brecha para a distribuição de recursos sem controle. Como mostrou o Estadão, organizações afirmam que a iniciativa pode abrir brecha para a compra de votos.

Outro trecho que preocupam especialistas dificultará a identificação de doadores. Quem fizer doações a candidatos via Pix poderá fazer isso sem ser em uma chave Pix de CPF e os partidos terão que apresentar as informações do doador em até 72h, dificultando o acesso que hoje qualquer brasileiro pode ter sobre quem enviou recursos para apoiar uma candidatura e quanto enviou.

Para as federações, a minirreforma propõe diferentes critérios para os partidos. Quando eles infrigirem alguma regra, a sanção é individualizada a uma legenda, mas quando for necessária preencher a cota de 30% de candidaturas femininas, a conta é feita de forma global, de modo que uma sigla possa não apresentar nenhuma mulher candidata, contanto que os demais partidos compensem.

A pressão de organizações da sociedade civil, conseguiram garantir a eliminação de outras passagens polêmicas no texto, como a que garantiria a possibilidade de punir compra de votos e gastos ilícitos de campanha apenas com multa de R$ 10 mil a R$ 150 mil, uma passagem que abria brecha para partidos não serem obrigados a repassarem valores do fundo eleitoral para negros.

Mesmo assim, outros trechos suprimidos migraram para outras iniciativas na Câmara. Um artigo retirado impedia que sejam aplicadas sanções de perda de mandato de candidatas ou candidatos que não tenham preenchido a cota de gênero caso a decisão implique na redução no número de candidatas eleitas é um dos casos. A iniciativa migrou para a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Anistia. A passagem permite que, desde que haja uma única mulher eleita a mais, a fraude não trará nenhuma consequência.

Essa PEC, outro front criado pelos partidos para contornar irregularidades cometidas por eles mesmos. O texto concederá a maior anistia já vista para partidos e políticos que cometeram irregularidades eleitorais. O valor pode chegar a quase R$ 23 bilhões.

Veja os principais pontos da minirreforma:

Flexibilização na transparência

Projeto veda aos candidatos apresentarem dados sobre subcontratados em caso de compra de serviço de empresa terceirizada. Órgãos de controle não saberão quem foi contratado, qual a função desempenhada ou quanto trabalharam. Organizações de transparência eleitoral, como o Pacto Pela Democracia, apontam que o texto abre espaço para a compra de votos. Doações por Pix poderão ser feitas em chaves que não o CPF e as instituições financeiras tem até 72h para apresentar mais informações sobre doações feitas.

Projeto protege partidos de punições em caso de não prestação de contas

A minirreforma também pretende trazer uma nova redação para o caso de punições no caso da falta de prestação de contas de partidos. O novo trecho apenas quer punir as legendas com a suspensão de novas cotas do fundo partidário (e não do eleitoral) enquanto perdurar o não-pagamento. Antigamente a legislação permitiria o cancelamento de registro civil caso fique provada a não-prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Critérios diferentes nas federações possibilita que partidos possam preencher a cota de gênero sem apresentar candidatas

O porcentual mínimo de candidaturas por gênero, previsto em 30%, deverá ser analisado na lista federação e não em cada partido. Isso quer dizer que é possível cumprir a cota se houver 30% de candidaturas femininas no somatório geral das candidaturas apresentadas pelos partidos, o que significa que uma legenda, individualmente, pode não apresentar nenhuma mulher como candidata, desde que as demais siglas consigam atender a cota de 30% no somatório geral.

O mesmo critério não vale para o caso de sanções. Os partidos individualmente, e não a federação, responderão em caso de infrações passíveis de sanção pela Justiça eleitoral.

Recursos dos partidos não poderão ser dados como garantia

De acordo com o texto, os recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário não poderão mais ser dados em garantia ou bloqueados, veda a determinação judicial de bloqueio dos bens com a única exceção em casos de má administração dos bens.

Neste caso, quem trabalhou ou prestou serviços a um candidato durante o pleito podem ficar sem receber recursos sem serem pagos.

‘Boca de urna’ nas redes

O texto apresentado permite a propaganda eleitoral no dia da eleição, mas veda o impulsionamento pago dos anúncios para alcançar mais público. O especialista em Direito eleitoral Alberto Rollo vê aqui uma “boca de urna” em ambientes digitais, ainda que não textualmente legalizada.

“Fazer propaganda na internet no dia da eleição não deixa de ser boca de urna na internet. O eleitor abre as redes sociais e vê propaganda eleitoral, é uma boca de urna diferente, mas é uma boca de urna”, afirmou.

‘Nada consta’

O projeto de lei dispensa a apresentação de certidões judiciais de “nada consta” pelos candidatos. Esses documentos acabam revelando a lista de processos quando o político responde a processos judiciais.

Regras para fraude de gênero e ampliação da classificação de violência política

A minirreforma apresentam fatores que caracterizariam fraude à cota de gênero em candidaturas. São estas: a não realização de atos de campanha, a não realização de despesas de campanha, ausência de repasse de recursos financeiros e obtenção de votação “que revele não ter havido esforço de campanha, com resultado insignificante”.

A candidata que desistir da candidatura deverá fazer uma declaração justificada, sob pena de responsabilização caso comprovada alguma alegação falsa.

O rol de vítimas de violência política contra mulher também será ampliado. Agora, na nova redação, não apenas a candidata, mas a pré-candidata a um cargo, detentora de mandato ou qualquer mulher em razão de atividade partidária política ou eleitoral pode ser enquadrada como vítima de violência política de gênero.

Partidos podem não precisar destinar uma quantidade mínima de recursos para candidaturas negras

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