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Para médico que operou Faustão, comoção fez bem ao debate sobre transplantes

O episódio também trouxe ao debate o sistema de transplantes do Brasil, o maior programa público do mundo nesse tipo.

Por Estadão

5 mins de leitura

em 10 de set de 2023, às 11h48

Foto: Reprodução/web
Foto: Reprodução/web

Em seus mais de 30 anos como cardiologista, Fernando Bacal já participou de cerca de mil transplantes de coração. Coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplantes do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do núcleo de transplantes do Instituto do Coração (InCor), faz parte da sua rotina acompanhar a angustiante espera dos seus pacientes por um novo órgão e vibrar com cada doação que permite devolver esperança e funcionalidade a alguns deles.

No último dia 27, o médico, reconhecido como um dos principais na sua especialidade, se viu numa situação atípica: foi um dos integrantes da equipe que realizou um dos transplantes com maior repercussão nas últimas décadas: o do apresentador Fausto Silva, o Faustão, no Einstein.

Ao Estadão, Bacal reconhece que a comoção em torno do caso do apresentador traz uma pressão extra ao seu trabalho, mas diz que ela não muda em nada sua conduta médica. Para ele, o que o episódio trouxe de bom foi a oportunidade de ampliar o debate sobre a importância da doação de órgãos e do sistema de transplantes do País, o maior programa público do tipo no mundo.

“Trato todos os pacientes como iguais, mas claro que (a repercussão do caso do Faustão) é um estresse a mais, um holofote a mais, mas vi aí uma oportunidade para que as pessoas pudessem falar mais sobre transplante. Todos os hospitais estão relatando um aumento de transplantes feitos nesse curto intervalo, eu acho que já pode ser um reflexo. Então eu canalizo esse estresse em prol da causa dos transplantes”, disse.

Ele afirma que o episódio também ajudou a população a entender os critérios de priorização para transplantes e a seriedade do programa coordenado pelo Ministério da Saúde. “É uma lista única e auditada, não se compra órgãos. O primeiro critério é o de identidade ABO (tipagem sanguínea)”, explica. Segundo a Central de Transplantes do Estado de São Paulo, Faustão tem tipo B, um sangue menos comum, que só 10% dos brasileiros têm. “O tipo B é mais raro, por outro lado, quando surge um doador do tipo B, a concorrência pelo órgão é menor.”

CORRIDA CONTRA O TEMPO

O cardiologista conta que, a partir da oferta de um coração a um paciente da fila, começa uma corrida contra o tempo da equipe de transplantes para definir se o procedimento será feito e confirmar se o órgão é viável. “Quando a central de transplantes entra em contato, temos só uma hora para dar a resposta se aceitamos ou não”, diz. A decisão por aceitar ou não pode ser influenciada por razões logísticas e/ou condições clínicas do receptor.

“Se um coração está na Bahia e eu tenho que trazê-lo para São Paulo, talvez não dê tempo de fazer todo o processo de retirada e transporte nas quatro horas máximas que temos, então recusamos para não correr o risco de perder aquele órgão”, exemplifica o médico.

A partir do aceite, é a equipe que fará o transplante que deverá providenciar toda a logística para a retirada do órgão do doador e o transporte até o local onde o receptor está internado. “É preciso verificar se vai ter avião da FAB, ambulância. Enquanto isso, o receptor é colocado em jejum absoluto e começa a ser preparado”, diz.

No caso do Faustão, uma parte da equipe do Einstein viajou a Santos, onde estava internado o doador, para fazer as últimas avaliações. “Quando chegam ao local onde está o doador, a equipe de transplantes tem que fazer uma avaliação in loco, checar se o coração está batendo adequadamente. Se avaliam que o órgão tem algum problema, o procedimento pode ser suspenso”, explica.

TRABALHO DE TIME

Foi essa mesma equipe que fez a cirurgia para retirar o coração que passaria a ser o do apresentador horas mais tarde. “Eu costumo dizer que trabalhar com transplantes não é para super-homem ou supermulher, é um trabalho de time. É preciso muita gente capacitada para conseguirmos viabilizar”, conta Bacal, que também reverencia as famílias que “aceitam doar os órgãos de um parente mesmo em um momento de tragédia familiar”.

Ele, que decidiu seguir na especialidade logo após a residência em cardiologia, em 1992, lamenta que 30% dos pacientes que precisam de transplante de coração ainda morram na fila e não possam ter a oportunidade que Faustão e outros pacientes tiveram.

“Hoje, realizamos no Brasil cerca de 350 a 400 transplantes de coração por ano, mas a nossa demanda seria de 1.300. Parte desses morrem na fila sem conseguir um coração compatível. Outros nem chegam a entrar na fila porque não têm acesso ao diagnóstico e encaminhamento adequados.”

A alta taxa de recusa de doação de órgãos por familiares (em torno de 45%) é uma das razões para a baixa captação de corações para doação no Brasil, mas a falta de estrutura para captação de órgãos em diferentes regiões do País também impede que possamos realizar mais desses procedimentos, segundo o médico.

“Muitos dos potenciais doadores estão em hospitais que não têm um simples equipamento de ecocardiograma para avaliar os batimentos cardíacos ou não têm equipes de neurologia para atestar morte encefálica. Hoje, do total de corações que as famílias aceitam doar, só 12% a 15% são viabilizados. Em países de referência, essa taxa pode chegar num patamar de 40% a 50%”, diz.

Para Bacal, com maior sensibilização das famílias e melhora da estrutura de captação de órgãos, é possível triplicar o número de transplantes de coração realizados no País.

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