Mãos que reciclam, cérebros que empreendem e corações que salvam vidas
A economia circular deixou de ser tendência para se firmar como estratégia essencial no empreendedorismo moderno

A economia circular deixou de ser tendência para se firmar como estratégia essencial no empreendedorismo moderno. Com foco na redução de desperdícios, na reutilização de recursos e na regeneração dos sistemas naturais, esse modelo promove impactos econômicos, sociais e ambientais positivos. Segundo levantamento da consultoria Accenture, a economia circular deverá movimentar cerca de US$ 4,5 trilhões até 2030 — o equivalente a 4% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Já a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, até 2050, a adoção desse modelo poderá reduzir em 44% as emissões globais de gases de efeito estufa e gerar aproximadamente 18 milhões de empregos verdes em todo o mundo.
Para os pequenos negócios, os benefícios são ainda mais significativos. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), práticas de economia circular ajudam os empreendimentos a aumentar sua eficiência, reduzir custos operacionais e fortalecer a imagem institucional, agregando valor à marca. “Aplicado inicialmente nas grandes empresas de tecnologia e startups, o modelo de economia circular, hoje, já se espalhou para pequenas e micro empresas, auxiliando na maximização do uso dos recursos disponíveis e no aumento de ganhos”, afirma o Sebrae em suas publicações institucionais.
No Espírito Santo, empresas de diferentes segmentos estão mostrando como é possível inovar com propósito, aliando sustentabilidade e inclusão. Um dos exemplos mais emblemáticos é a Borracharia do Leandro, situada em Vitória. Com mais de 25 anos de atuação, a empresa rompeu os limites do modelo tradicional ao incorporar práticas sustentáveis e oferecer uma experiência diferenciada ao cliente. Leandro Freitas, fundador e CEO, transformou o espaço da borracharia em um ambiente moderno e estilizado, conquistando reconhecimento nacional — entre eles, o título de Melhor Borracharia do Brasil, concedido pela revista Quatro Rodas em 2019, e uma parceria com Caito Maia, do programa Shark Tank Brasil.
“Você faz parte disso”
Apesar do destaque na experiência do cliente, a essência do negócio segue ancorada na economia circular. A borracharia prolonga a vida útil dos pneus por meio de reparos e recapagens, evitando o descarte precoce e reduzindo a pegada de carbono da produção de novos pneus. “Senti que precisava fazer algo para o mundo. Comecei a mudar a borracharia com a ideia de oferecer uma sustentabilidade elegante e moderna, utilizando os pneus. Meu slogan é ‘você faz parte disso’”, explica Leandro.
A empresa realiza o descarte ambientalmente correto de pneus usados e destina unidades em boas condições para reutilização — desde obras civis até projetos de mobiliário. “Começamos a fabricar pufes de qualidade com esse material e a apoiar dependentes químicos que usam pneus para produzir móveis artesanais.”

A urgência dessas soluções é clara. Um pneu pode levar até 600 anos para se decompor. Quando descartados de forma irregular, esses resíduos podem liberar substâncias tóxicas no solo e na água, além de servirem de criadouros para vetores de doenças como o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya. A queima inadequada de pneus libera compostos altamente tóxicos, como dioxinas e furanos. Mesmo o desgaste nas estradas gera microplásticos que poluem rios e oceanos.
Moda sustentável e impacto social
A sustentabilidade também ganhou espaço na indústria da moda, um dos setores mais poluentes do planeta, perdendo apenas para o setor petrolífero. Segundo a Global Fashion Agenda, mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis são descartados anualmente, número que pode ultrapassar 140 milhões de toneladas até 2030. Contra esse cenário, o Projeto Transformação, realizado mensalmente no Parque Moscoso, em Vitória, faz o descarte virar esperança. Idealizado pela estilista Edy Lopes, com mais de 30 anos de carreira, o projeto recolhe roupas, resíduos têxteis e eletrônicos e os redistribui para artesãs e empreendedoras locais.

“Nosso slogan é: ‘transforme a sua vida e a do próximo’. O objetivo é valorizar o trabalho do outro, promovendo autonomia e geração de renda”, afirma Edy. Além da doação de materiais, o projeto oferece oficinas de apoio logístico, espaço para comercialização de produtos e capacitação. Fiz um curso do Sebrae chamado “Aprenda a precificar a arte”. E hoje eu consigo passar esse conhecimento para a frente”, explica Edy Lopes.
Negócio feito para elas
Outra frente de transformação é o projeto Negócio Delas, do Instituto João XXIII, no Bairro Gurigica, em Vitória. “Em 2015, participei da Maratona de Negócios Sociais promovida pelo Sebrae/ES, onde apresentei o projeto ‘Bem Comum’, que conquistou o segundo lugar. No ano seguinte, atuei como mentor em duas edições subsequentes da maratona. A partir dessa experiência, passei a prestar serviços para instituições filantrópicas focadas no empreendedorismo, especialmente feminino. Foi assim que nasceu o projeto Negócio Delas”, relatou o coordenador do projeto, Gustavo Pacheco.

A iniciativa atende a cerca de 40 mulheres em situação de vulnerabilidade social, oferecendo roupas, calçados e acessórios seminovos em consignação. Cada participante monta seu bazar, define os preços e retém a renda. “Também oferecemos oficinas e mentorias para que essas mulheres se tornem empreendedoras autônomas. Algumas já abriram seus próprios brechós”, explica.
Da quadra ao impacto comunitário
Na Serra, o Instituto PEB mostra como a economia circular pode ser integrada ao desenvolvimento comunitário. Criado em 2016 como projeto esportivo, o instituto se expandiu para ações de capacitação profissional e inclusão social. Durante a pandemia de Covid-19, mobilizou 190 costureiras para confeccionar mais de 300 mil máscaras de tecido. Com o excedente de 20 mil unidades, nasceu o projeto Colchas do Bem, que reutiliza máscaras para confeccionar mantas. “Vencemos uma batalha e agora aquecemos os corações com os tecidos que salvaram muitas vidas”, afirma Claudio Monteiro, presidente da instituição.
A ONG Vira Lata Vira Luxo, também na Serra, transforma tampinhas plásticas e metálicas em cuidado animal. A organização coleta mensalmente cerca de três toneladas de tampinhas, revertendo o valor arrecadado em vacinas, alimentos e atendimento veterinário para os cerca de 100 cães abrigados.

“O projeto das tampinhas é de grande importância para ajudar a comprar ração para os bichinhos, pagar consultas e remédios. Sem dúvida, ajuda muito o abrigo”, explica Hudson Jair Ruela, voluntário da ONG, destacando que, além dos impactos ambiental e social, o processo de triagem das tampinhas é terapêutico. A separação por cores estimula funções motoras e cognitivas, beneficiando crianças, idosos e pessoas com autismo.
Essas experiências demonstram como pequenos negócios e iniciativas comunitárias podem liderar soluções sustentáveis e inclusivas. Com criatividade, compromisso social e apoio, a economia circular deixa de ser conceito e se torna uma prática regenerativa, rentável e transformadora.
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