Professores: saúde mental e direito à insalubridade

Nos últimos anos, a pauta da saúde mental ganhou espaço nos debates públicos, sobretudo com o aumento expressivo dos casos de esgotamento emocional

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em 30 de abr de 2025, às 09h27

Foto: Ilustrativa/Pixabay
Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Myrella Benevenuto Volpini

Nos últimos anos, a pauta da saúde mental ganhou espaço nos debates públicos, sobretudo com o aumento expressivo dos casos de esgotamento emocional, ansiedade e depressão no ambiente de trabalho. Entre as categorias mais afetadas, os profissionais da educação ocupam lugar de destaque — não por acaso. A rotina exaustiva, a sobrecarga de tarefas, a desvalorização da profissão, a violência simbólica e física presente nas escolas e a falta de suporte institucional criam um cenário propício ao adoecimento mental. Apesar disso, tais condições ainda não são reconhecidas legalmente como fatores de insalubridade.

É hora de repensarmos esse paradigma. A insalubridade, conforme definida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), está relacionada à exposição habitual a agentes nocivos à saúde. Tradicionalmente, esses agentes são físicos, químicos ou biológicos. No entanto, é urgente que se reconheça também o sofrimento psíquico como um risco ocupacional — especialmente em áreas como a educação, onde o desgaste emocional é constante e cumulativo.

De acordo com pesquisas recentes, 85% dos profissionais da educação enfrentam ou já enfrentaram problemas relacionados à saúde mental, como síndrome de burnout, transtornos de ansiedade e depressão, dentre eles, 74% são professores do ensino fundamental e médio. A pandemia de COVID-19 agravou ainda mais esse quadro, escancarando a precarização do ensino e a ausência de suporte psicológico institucional.

É importante destacar que o adoecimento mental não é fruto de fragilidade individual. Ele é consequência direta de um sistema educacional exaustivo, que exige cada vez mais dos professores, mas oferece cada vez menos suporte. Ignorar isso é perpetuar um modelo que consome seus educadores em silêncio. Devido a desvalorização profissional da educação, os professores estão fadados ao trabalho de dois ou três turnos para buscarem condições dignas de sobrevivência, no entanto, adoecem com cargas execessivas de trabalho. A legislação brasileira ainda falha em proteger o educador nesse aspecto. Não há, por exemplo, normativas específicas que incluam o estresse ocupacional como fator de risco para concessão do adicional de insalubridade. Essa lacuna reforça a invisibilidade do sofrimento docente e a negligência do Estado em garantir condições mínimas de bem-estar no exercício da função.

A maioria dos profissionais da educação não tem acesso a atendimento psicológico gratuito e de qualidade. A rede pública de saúde, embora essencial, é insuficiente para a demanda e geralmente oferece atendimentos esporádicos e superficiais. Já a iniciativa privada tem custos altos, inviáveis para muitos professores. O reconhecimento legal da saúde mental como critério para insalubridade não apenas seria um avanço trabalhista, mas também uma forma de valorização da profissão. O adicional de insalubridade, nesses casos, não deve ser visto apenas como uma compensação financeira, mas como um indicativo da necessidade urgente de mudança nas estruturas de trabalho. Além disso, a concessão do direito abriria caminhos para outras medidas fundamentais, como o aumento de políticas de prevenção, acesso à psicoterapia gratuita, readaptação funcional e programas de saúde ocupacional específicos para o setor educacional.

Portanto, defender a inclusão das doenças mentais ocupacionais como critério de insalubridade para profissionais da educação é uma questão de justiça, dignidade e reconhecimento. É tempo de transformar o cuidado com a saúde mental em política pública efetiva — e de assegurar, por meio da lei, aquilo que o bom senso já reconhece: a docência adoece, e esse adoecimento precisa ser tratado com a seriedade que merece. É hora de o Estado assumir sua parte e garantir, no mínimo, o básico: que quem ensina também tenha condições de se cuidar.

É hora de o Estado assumir sua parte e garantir, no mínimo, o básico: que quem ensina também tenha condições de se cuidar.

*** Myrella Benevenuto Volpini é formada em Pedagogia, Pós- graduada em Educação Especial e Inclusiva e Neuropsicopedagogia. Trabalha na educação há 8 anos e atualmente atua como pedagoga da rede municipal de Guarapari.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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