Quando a fé vira espetáculo e o púlpito se transforma em palco

A ascensão do jovem Miguel Oliveira, autointitulado “Profeta Miguel”, é um sintoma claro desse fenômeno.

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em 02 de maio de 2025, às 00h31

Foto: Reprodução | Redes Sociais
Foto: Reprodução | Redes Sociais

Não é novidade que o entretenimento vem ocupando cada vez mais espaços nas nossas vidas. Mas o que assusta é ver como ele também tem tomado o lugar da pregação, da reflexão e até mesmo da espiritualidade. A ascensão do jovem Miguel Oliveira, autointitulado “Profeta Miguel”, é um sintoma claro desse fenômeno. Com seus vídeos viralizando nas redes sociais — carregados de frases desconexas, gritos, performances histriônicas e autoafirmações messiânicas —, o garoto se tornou mais que um meme: virou fenômeno.

Basta uma breve navegação pelo TikTok ou Instagram para se deparar com trechos como “Eu rasgo o câncer”, “Eu filtro o teu sangue” ou a repetição performática de “Of the King, the Power, the Mentor, the Bastard”. Para alguns, um falso profeta. Para outros, apenas um adolescente em busca de atenção. Mas, independentemente de como o enxergam, o ponto central permanece: por que há tanta gente aplaudindo?

Espetáculo

A resposta pode estar menos em Miguel e mais em nós, como sociedade. O que nos leva a seguir figuras assim? O que nos seduz em discursos tão distantes da coerência, da ética, do Evangelho? Quando a fé se transforma em espetáculo, deixamos de ouvir o que transforma para consumir o que entretém.

O problema não está apenas em quem ocupa o púlpito — está, sobretudo, na plateia. Há uma sede por mensagens que massageiem o ego, que confirmem desejos, que prometam soluções instantâneas e milagres personalizados. A própria Bíblia já alertava sobre isso. Em 2 Timóteo 4:3, Paulo escreve: “Virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, segundo seus próprios desejos, juntarão mestres para si, tendo coceira nos ouvidos”. A profecia parece ter se cumprido em pleno século XXI, com algoritmos no lugar das igrejas e curtidas substituindo orações.

Nietzsche, mesmo sendo ateu, dizia que “as pessoas não querem Deus, elas querem milagres”. Uma crítica antiga, mas cada vez mais atual. A fé que exige paciência, compromisso, justiça e contramão perdeu espaço para a fé-espetáculo, que promete tudo sem cobrar nada — a não ser a audiência.

E aqui reside um dos grandes riscos que corremos como sociedade. O Brasil caminha para se tornar um país de maioria evangélica, segundo todas as projeções demográficas. Mas será que essa guinada religiosa tem se refletido em mais compaixão, mais solidariedade, mais justiça social, mais semelhança com Jesus? Ou estamos apenas criando um novo mercado da fé, onde o que vale é a performance, e não o propósito?

Discernimento

Se a fé não nos move a olhar para a fome, para a desigualdade, para a violência, que fé é essa? Se o nome de Cristo é usado para legitimar vaidades, autoritarismos ou espetáculos vazios, é preciso se perguntar: estamos seguindo a Jesus ou apenas buscando mágica?

O grande milagre que precisamos talvez não esteja nas mãos de nenhum “profeta”. Está na nossa capacidade de despertar, refletir, discernir. E de lembrar que fé, de verdade, não é grito — é gesto.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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