Alma em flor
Passando pelas ruas de Ibatiba no final do outono, vejo as árvores se despirem em silêncio. Folhas amarelas, vermelhas e ocres descem devagar
3 mins de leitura
em 16 de jun de 2025, às 16h00

Por Pe. José Carlos Ferreira da Silva
Passando pelas ruas de Ibatiba no final do outono, vejo as árvores se despirem em silêncio. Folhas amarelas, vermelhas e ocres descem devagar, como se soubessem que o frio está vindo e que é hora de parar. Elas se recolhem, economizam energia, protegem-se. Não é rendição — é sobrevivência.
A natureza é sábia: quando os recursos ficam escassos, as árvores cortam o que gasta demais. Deixam as folhas caírem, reduzem o metabolismo, armazenam nutrientes no interior do tronco, como quem diz: “Não agora. Depois.”
Mas entre essas árvores discretas e contidas, uma faz o oposto. Justo ela: o ipê.
Enquanto todas recuam, ele avança. Quando o solo está seco, o ar rarefeito, e a paisagem parece suspensa entre o fim e o nada — o ipê floresce. Explode em cor. Amarelo, roxo, rosa — como se ignorasse o calendário das outras árvores. Como se dissesse: “Eu não espero abundância. Eu sou o milagre no meio da escassez.”
E aí eu penso: talvez a alma humana seja um pouco ipê.
Tem dias em que tudo dentro da gente está estéril. Sonhos murchos. Força mínima. Por fora, silêncio. Por dentro, cansaço. O natural seria recuar. Esperar o inverno passar. Mas às vezes, como o ipê, algo em nós resolve florescer mesmo assim.
A beleza não vem porque tudo está bem. Vem porque a alma, mesmo ferida, encontra uma brecha para a esperança. É uma coragem silenciosa — não de resistir ao tempo ruim, mas de fazer dele um palco para o impossível.
O ipê não ignora a seca. Ele floresce apesar dela. E talvez seja isso que ele ensina: que o verdadeiro florescimento não acontece quando tudo ao redor é fértil — mas quando, contra todas as previsões, a gente ainda encontra motivo para florir.
No final do outono, quando as outras árvores caem para dentro, o ipê levanta a cabeça e se enche de cor.
E quem olha pensa: “como pode?”
Mas a alma entende: é preciso florir mesmo quando ninguém espera. Mesmo quando tudo parece dizer “agora não”. Como o ipê: firme, florido e de pé. No tempo errado — e por isso mesmo, tão certo.
*** Pe. José Carlos Ferreira da Silva é autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral – Editora Dialética. É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência, Cachoeiro de Itapemirim.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
Receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro de tudo! Basta clicar aqui