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Angélica Chamon Layoun: quem é a juiza demitida por repetir sentenças?

A magistrada já estava afastada do cargo desde setembro de 2023, quando começou a fazer parte de investigações em um processo administrativo-disciplinar (PAD).

Por Flavio Cirilo

7 mins de leitura

em 14 de jul de 2025, às 16h57

Foto: Reprodução/Redes sociais
Foto: Reprodução/Redes sociais

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) oficializou, na última segunda-feira (7), a demissão da juíza substituta Angélica Chamon Layou. Ela atuava na comarca de Cachoeira do Sul. A magistrada já estava afastada do cargo desde setembro de 2023, quando começou a fazer parte de investigações em um processo administrativo-disciplinar (PAD).

O PAD apurou a existência de supostas irregularidades em milhares de ações judiciais sob responsabilidade da juíza. De acordo com o TJ-RS, um dos principais pontos da investigação foi a utilização de uma mesma decisão padronizada em aproximadamente dois mil processos. Considera-se a prática grave, segundo a Corregedoria-Geral da Justiça.

Em nota, a defesa da juíza Angélica Chamon Layoun manifestou respeito ao Tribunal, mas afirmou discordar veementemente da penalidade. Os advogados consideram “desproporcional, juridicamente viciada e sem provas de dolo ou má-fé” — requisitos, segundo a argumentação, indispensáveis para configurar uma falta funcional gravíssima.

Como não cabe recurso interno no âmbito do TJ-RS, os advogados ajuizaram um Pedido de Revisão Disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além disso, no documento, questionam a proporcionalidade da sanção e possíveis vícios na instrução do processo disciplinar, cujo conteúdo tramita sob sigilo.

Situação da vara e contexto familiar como fatores agravantes

A defesa afirma que Angélica foi para uma vara cível sem estrutura, e que tinha anos de ausência de titularidade, desorganização em fluxo processual e forte cultura de autogestão. Entretanto, ao tentar implementar melhorias administrativas e corrigir falhas operacionais, teria enfrentado resistência interna, o que, segundo seus advogados, contribuiu para o desencadeamento do PAD.

Além disso, outro ponto destacado pela defesa diz respeito ao contexto pessoal e familiar da magistrada. Ela é mãe de uma criança de três anos com diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA), o que, segundo seus representantes legais, exigia conciliação com a rotina funcional em meio à fase probatória da carreira.

Argumento reforça que não houve prejuízo às partes nem má-fé

Para os advogados, portanto, mesmo que tenham ocorrido falhas operacionais — comuns no estágio probatório e em sistemas digitais complexos —, não há elementos que justifiquem a punição extrema, especialmente diante da ausência de má-fé, prejuízo aos jurisdicionados ou violação da moralidade administrativa.

Contudo, eles defendem que, em vez da penalização, a Corregedoria deveria ter adotado medidas pedagógicas e orientativas, considerando o contexto singular vivido pela magistrada.

Ponto de vista da defesa abre debate sobre gênero e maternidade na magistratura

O caso envolvendo a juíza Angélica Chamon Layoun também suscita um debate mais amplo sobre o papel da mulher na magistratura e os desafios enfrentados por magistradas mães, que acumulam a responsabilidade profissional com a maternidade.

A defesa argumenta que a penalização pode refletir uma postura institucional insensível às especificidades enfrentadas por mulheres na carreira jurídica. Assim, segundo o texto, o processo contra Angélica poderia ser vivenciado por qualquer magistrada que exerça simultaneamente a jurisdição e a maternidade, especialmente em contextos hostis ou desestruturados.

CNJ avaliará conduta, proporcionalidade e garantias legais

A defesa acredita que o Conselho Nacional de Justiça analisará o caso com isenção, observando o devido processo legal, a proporcionalidade da sanção e os direitos garantidos pela magistratura nacional. Porém, até a publicação desta reportagem, o TJ-RS não havia comentado publicamente sobre a contestação apresentada no CNJ.

Entenda o caso da juíza Angélica Chamon Layoun: pontos centrais da defesa

Confira, abaixo, os principais argumentos apresentados pela defesa da juíza:

  • Não houve dolo ou má-fé comprovados na conduta funcional.
  • Decisão padronizada foi como resposta a passivo processual elevado.
  • Vara cível estava desestruturada, sem juiz titular há anos.
  • Processo disciplinar apresenta vícios de instrução.
  • Magistrada enfrentou resistência institucional ao implementar mudanças.
  • Discriminação velada por ser mulher, mãe e de outro estado.
  • CNJ será responsável por revisar e julgar proporcionalidade da pena.
  • Falhas operacionais não justificam medida disciplinar extrema.
  • Não houve dano às partes nem prejuízo à moralidade pública.

Nota à imprensa

A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.

Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.

Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar. Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas. operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.

Dificuldades

Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).

A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mäe magistrada pode compreender.

Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada. A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.

Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional. A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura.

A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional. Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional.

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