O silêncio que permanece

Outro dia, enquanto aguardava na portaria, a permissão para uma visita religiosa, em um dos hospitais de Cachoeiro de Itapemirim

Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Pe. José Carlos Ferreira da Silva

Outro dia, enquanto aguardava na portaria, a permissão para uma visita religiosa, em um dos hospitais de Cachoeiro de Itapemirim, houve tempo de sobra para observar os detalhes que geralmente passam batido: o vai e vem nervoso de acompanhantes, o clique automático da catraca, o olhar cansado da recepcionista, a televisão ligada sem ninguém realmente assistindo.

O cheiro de limpeza era constante, como se quisesse apagar as marcas do sofrimento. Ainda assim, era silêncio. Não o silêncio pleno, mas aquele meio cortado por tosses, passos arrastados e apitos de aparelhos. Mesmo entre tantos sons, o que se ouvia era o silêncio — o que resta quando ninguém sabe o que dizer.

E ali, em meio à espera e à rotina dura de um hospital, a frase creditada a Cecília Sfalsin, surgiu na minha cabeça sem anúncio, nem motivo: “Deus silencia, não se ausenta”.

Não era uma crença proclamada, muito menos um consolo pronto. Era uma percepção seca, quase analítica, como quem observa uma lâmpada apagada e ainda sente o calor no vidro. Porque naquele ambiente onde a vida e a morte dividem o mesmo corredor, a ausência parecia improvável. Havia algo — talvez fé, talvez instinto — que resistia, mesmo quando tudo parecia suspenso.

O silêncio de Deus não era omissão. Era outra forma de presença. Um tipo de escuta. Um estar que não interrompe, não resolve, mas também não abandona.

No leito 307, uma mulher de olhar perdido tentava rezar em pensamento. No 412, um adolescente lia um salmo no celular, quem sabe, pela décima vez. Em algum quarto sem número visível, uma enfermeira segurava firme a mão de um paciente inconsciente.

Nenhum milagre evidente. Nenhuma cena para testemunhar e contar depois. Só gestos pequenos, quase invisíveis. A presença delicada da resistência humana — da fé muda, mas firme.

Imagino que, naquele instante, Deus se cala porque sabe que, não é a fala que salva. É o ficar. E no fundo, há uma diferença imensa entre não falar… e não estar.

Deus silencia, sim. Mas não se ausenta. E acredito que seja exatamente nesse silêncio que Ele permanece.

*** Pe. José Carlos Ferreira da Silva é autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral  – Editora Dialética.  É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência,  Cachoeiro de Itapemirim.

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