A nova polarização brasileira
Estamos agora diante das eleições municipais e a pergunta que temos ouvido muito é se essa polarização calcificada continuará presente no processo eleitoral
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em 09 de ago de 2024, às 12h03
Por João Gualberto
O mundo vem assistindo a uma polarização política muito acentuada entre esquerda e direita nas últimas décadas. Creio que tudo tenha começado – como muito bem acentua Mark Lila em A Mente Naufragada: sobre o espírito reacionário – com o sucesso das lutas por direitos a partir dos anos 1960, como os das mulheres ou contra o racismo, além dos direitos de outros segmentos muito discriminados na cultura americana, foco dos estudos do autor e presentes em praticamente toda a sociedade ocidental. Essas lutas, com o passar das décadas, transformaram-se no que hoje chamamos de identitarismo, ou seja, a busca pela garantia de identidades distintas das majoritárias, que foi em grande parte encampada pela esquerda do partido democrata estadunidense, assim como em muitos outros países.
A resposta a esse movimento foi a criação, ainda durante a era Obama, nos EUA, de um movimento de extrema direita no partido republicano. Ele se alimentou do racismo para depois avançar sobre outras teses identitárias, criando assim um nacionalismo exacerbado até então fora de moda. Trump, nos Estados Unidos, Marine le Pen, na França e Viktor Orban, na Hungria, usaram das mesmas estratégias, sobretudo a operação agressiva de comunicação nas redes sociais.
Aliás, a mídia tradicional e os formadores de opinião, de forma geral, estiveram envolvidos na fase de ascensão do identitarismo, marcado pelo pensamento progressista. Assim, a fragmentação dos meios de comunicação que o século XXI encastelou à direita nos novos veículos que surgiram, como o Facebook, o Instragam, o WhatsApp e outros, foram ganhando seus espaços de divulgação de ideias. A expansão conservadora para esses novos veículos foi propagada como ampliação das liberdades de expressão, da nova capacidade do homem comum de expressar sua opinião.
No Brasil, a eleição de uma mulher, Dilma Rousseff, engendrou o aumento da misoginia nas até então pouco conhecidas redes sociais. Quem melhor se aproveitou desse momento foi o então deputado federal Jair Bolsonaro. Com base na sua capacidade de vocalizar essas ideias preconceituosas, tão presentes na sociedade brasileira, teve um aumento de 5 vezes na sua votação entre 2010 e 2014, no estado do Rio de Janeiro. A partir de 2014 ampliou sua área de ação nas redes sociais, nos pronunciamentos no legislativo e nas entrevistas nos veículos mais tradicionais, vocalizando sentimentos que nenhuma liderança havia ousado no Brasil. Não por acaso fez enorme sucesso e, em grande parte graças ao envolvimento do PT em ações de corrupção, ampliou suas bases para o antipetismo, que aumentou muito nesse época. Estava criado um novo polo na política brasileira.
O polo de direita foi organizado e articulado por Bolsonaro, sem sombra de dúvida. Essa sua obra política é maior do que o seu governo e muito mais duradoura no tempo; é o seu legado mais denso. A rivalização com a esquerda é fato natural nesse contexto. Decorrente das posturas assumidas ao longo do tempo, ela tem sido chamada de polarização afetiva, dado o grau de seu enraizamento no tecido social, que se estende a todas as instâncias da vida, inclusive a familiar, e está de tal forma arraigada entre nós que é chamada de polarização calcificada.
Estamos agora diante das eleições municipais e a pergunta que temos ouvido muito é se essa polarização calcificada continuará presente no processo eleitoral. Minha resposta é que sim, porém matizada com alguns outros elementos típicos das escolhas locais. Creio que os eleitores vão primeiro escolher seu lado na disputa e, depois, dentro do quadro ideológico que escolheram, analisar as opções. Claro que muitos eleitores, a maioria talvez, pode não ter exatamente uma opção ideológica, muito embora com tendência de maior ou menor aproximação com direta ou esquerda. Nesse ponto é que pode haver aproximações por afinidades.
O quadro polarizado é menos intenso do que nas eleições presidenciais, quando se torna mais nítido e menos sujeito às aproximações do que no caso das escolhas de prefeitos ou vereadores. Entretanto, em uma sociedade onde amizades se desfazem por opção política, onde bolsonaristas e petistas mal conseguem frequentar ambientes familiares ou rodas de amizade juntos, imaginar uma eleição despolarizada não é sequer razoável. Provavelmente, em boa parte dos casos, mesmo com extremos polarizados, os mais centristas e menos politizados terão enorme papel no processo que se aproxima.
** João Gualberto é pesquisador e professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA), e já foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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