Desafios da Inclusão de Pessoas com Deficiência no Espírito Santo

A habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência, seja física, visual, auditiva ou intelectual, requer equipes multidisciplinares (fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, etc.) e centros especializados. No Espírito Santo, a oferta desses centros é limitada e a demanda crescente.

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em 29 de abr de 2025, às 16h10

Promover inclusão, dignidade e equidade para pessoas com deficiência não é apenas cumprir obrigações legais, mas afirmar valores humanitários básicos, o respeito à diversidade e à igualdade de oportunidades. Fonte: CANVA.
Promover inclusão, dignidade e equidade para pessoas com deficiência não é apenas cumprir obrigações legais, mas afirmar valores humanitários básicos, o respeito à diversidade e à igualdade de oportunidades. Fonte: CANVA.

Por Marcel Carone

A inclusão das pessoas com deficiência é um desafio de direitos humanos e cidadania no Brasil. Apesar de avanços legais, como a Lei Brasileira de Inclusão de 2015, o poder público ainda está aquém do que poderia e deveria fazer em favor dessa população. No estado do Espírito Santo, onde aproximadamente 6,7% da população (cerca de 276 mil capixabas) possuem algum tipo de deficiência, a realidade diária revela inúmeras barreiras. Faltam ações efetivas para assegurar a acessibilidade urbana, o acesso igualitário à saúde e à educação, a ampliação de oportunidades no mercado de trabalho e a superação de preconceitos enraizados. A meu ver, a comunicação tem um papel fundamental na promoção da mudança de cultura e comportamento que a sociedade tanto necessita.

Nesta coluna, discutiremos como as políticas públicas existentes são limitadas e como as falhas em infraestrutura e serviços públicos comprometem a dignidade e a inclusão dessas pessoas, apresentando dados e exemplos específicos do Espírito Santo, bem como caminhos para promover maior equidade, dignidade e justiça.

Políticas Públicas: Avanços e Limitações

Nas últimas décadas, o Brasil construiu um arcabouço jurídico robusto voltado às pessoas com deficiência, do Decreto de Acessibilidade (2004) ao Estatuto da Pessoa com Deficiência/Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). Em teoria, esses marcos garantem direitos à acessibilidade, educação inclusiva, saúde, trabalho e prioridade de atendimento. Na prática, contudo, há um grande hiato entre a lei e a realidade. Muitas dessas políticas esbarram em implementação insuficiente e falta de fiscalização. Por exemplo, embora seja obrigatório por lei que edifícios públicos e privados sejam acessíveis, é comum encontrar espaços sem rampas ou banheiros adaptados. Da mesma forma, a prioridade de atendimento nos serviços de saúde muitas vezes não é respeitada, e somente durante a pandemia de Covid-19 o Espírito Santo editou uma lei para incluir oficialmente as pessoas com deficiência como grupo de risco prioritário. Embora alinhada à Lei Brasileira de Inclusão, essa medida evidencia a necessidade contínua de ações específicas para garantir a efetivação desses direitos. No Espírito Santo, existem iniciativas louváveis do governo estadual, porém ainda limitadas diante da demanda. A Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) criou a Central de Interpretação de Libras (CIL), um serviço gratuito 24 horas via aplicativo que viabiliza a comunicação de pessoas surdas em órgãos públicos (hospitais, cartórios, etc.). Essa iniciativa atende a uma parcela da população, mas reforça que, sem ela, cidadãos surdos permaneceriam sem acesso pleno a serviços básicos por barreira de comunicação. Outra ação recente foi a cooperação da SEDH com o Ministério Público do Trabalho para capacitar empresas na contratação de profissionais com deficiência, visando ampliar a inclusão no emprego. Embora positivas, essas políticas atingem uma fração do público e ainda não se traduzem em mudanças estruturais amplas. Em suma, as políticas públicas existem, porém carecem de alcance e efetividade, e é necessário expandi-las e tirá-las do papel para que cumpram seu propósito social.

Acessibilidade Urbana e Transporte

A falta de acessibilidade no espaço urbano capixaba é um dos obstáculos mais visíveis à inclusão. Ruas e calçadas frequentemente não possuem piso nivelado ou rampas, apresentando buracos e degraus que inviabilizam a locomoção segura de cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida. A situação das calçadas é crítica. Lembro-me de uma reportagem publicada em A Gazeta em que uma moradora de Viana relatava como o estado precário do pátio de uma escola dificultou o acesso de um homem em cadeira de rodas, a ponto de ele precisar de ajuda para entrar no local de votação. Esse exemplo ilustra a realidade de muitos espaços públicos: mesmo um direito básico, como o exercício do voto, pode se tornar inacessível diante da ausência de adaptações simples na infraestrutura.

No transporte público, apesar de alguns progressos, os desafios persistem. A frota de ônibus do sistema Transcol, na Grande Vitória, hoje conta com veículos equipados com elevadores para cadeiras de rodas, mas problemas como motoristas sem treinamento adequado ou pontos de parada inadequados ainda ocorrem. Fora dos grandes centros, o acesso de pessoas com deficiência ao transporte é ainda mais limitado ou inexistente. Soluções específicas foram buscadas: o Espírito Santo lançou o programa Transcol + Acessível, substituindo micro-ônibus antigos por vans adaptadas e climatizadas para oferecer transporte porta a porta aos cadeirantes na região metropolitana.  Este sistema permite que os usuários escolham seus acompanhantes e oferece transporte para dependentes, com a utilização do CartãoGV para pagamentos. Essa modernização promete reduzir tempo de viagem e aumentar o conforto, integrando o serviço especial ao sistema regular. No entanto, iniciativas como essa atendem principalmente à capital e entorno; em cidades do interior, muitas vezes não há qualquer transporte acessível disponível.

O déficit de acessibilidade impacta não apenas a mobilidade diária, mas também a participação cívica e social. No pleito eleitoral de 2024, apenas cerca de 10% das pessoas com deficiência do ES estavam cadastradas para votar, 27 mil eleitores dentre mais de 211 mil em idade de voto. Uma das razões apontadas para essa baixa participação é a dificuldade de “chegar ao local de votação”, decorrente da falta de transporte adequado e barreiras arquitetônicas. Ou seja, a exclusão física acaba gerando exclusão política e social. A garantia de calçadas acessíveis, sinalização adequada e transporte adaptado não é mero capricho, mas sim condição para que essas pessoas exerçam autonomia e seus direitos básicos de ir e vir.

Acesso à Saúde

O sistema de saúde pública também falha em acolher plenamente as pessoas com deficiência. Embora o SUS preconize atenção integral, na prática há barreiras físicas, comunicacionais e de oferta de serviços especializados. Muitos hospitais e unidades de saúde não possuem estrutura acessível, faltam rampas de acesso, macas ajustáveis ou equipamentos adaptados (como mamógrafos adequados a mulheres que utilizam cadeira de rodas). Esse quadro faz com que, frequentemente, pacientes com deficiência enfrentem obstáculos já na entrada do serviço de saúde. Barreiras comunicacionais também agravam o problema: uma pessoa surda ou com deficiência auditiva pode ter dificuldade em ser atendida porque raramente há intérpretes de Libras disponíveis nas recepções ou consultas. Iniciativas como a Central de Libras do ES buscam suprir essa lacuna, permitindo ao paciente surdo se comunicar via vídeo com um intérprete durante o atendimento. Ainda assim, tal recurso precisa estar disponível e ser divulgado em todo o sistema, caso contrário muitos permanecem sem atendimento adequado.

Outro entrave é a escassez de serviços de reabilitação e apoio especializado, especialmente fora da capital. A habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência, seja física, visual, auditiva ou intelectual, requer equipes multidisciplinares (fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, etc.) e centros especializados. No Espírito Santo, a oferta desses centros é limitada e a demanda crescente. Isso resulta em longas filas de espera por terapias ou órteses e próteses, levando à piora de quadros que poderiam ser estabilizados ou melhorados com intervenção precoce. A SEDH, em seu levantamento socioeconômico, evidenciou a necessidade de fortalecer a rede de apoio com centros de habilitação/reabilitação e distribuição de tecnologias assistivas. Enquanto tais medidas não forem ampliadas, muitas famílias continuarão recorrendo a clínicas privadas (quando têm recursos) ou ficando desassistidas.

Além do aspecto físico e estrutural, há falhas de preparo dos profissionais de saúde no trato com pacientes com deficiência. Nem todos os profissionais são treinados, por exemplo, para atender adequadamente uma pessoa com autismo em crise sensorial, ou para guiar um paciente cego pelo corredor. Pequenas adequações, como falar de frente para o paciente surdo que faz leitura labial, ou permitir a presença de um acompanhante para um paciente com deficiência intelectual, fazem grande diferença, mas nem sempre são praticadas. Essas lacunas na capacitação e na humanização do atendimento geram experiências negativas e afastam a pessoa com deficiência dos serviços de saúde, minando sua confiança no sistema público. Garantir saúde acessível, portanto, vai muito além de prioridade no papel: requer investimento em infraestrutura adaptada, tecnologia assistiva (como comunicação alternativa) e capacitação permanente das equipes para um atendimento verdadeiramente inclusivo.

Educação Inclusiva

A educação é outro campo onde as promessas legais esbarram na realidade. A política nacional atual incentiva que estudantes com deficiência estejam matriculados em escolas regulares, convivendo com seus pares sem deficiência, ao invés de segregados em instituições especiais. Contudo, para que a educação inclusiva funcione de fato, é preciso que as escolas estejam preparadas, o que muitas vezes não ocorre. Barreiras arquitetônicas e de acessibilidade são comuns: há escolas estaduais e municipais no Espírito Santo sem rampas ou elevadores, o que impede ou dificulta que um aluno que utiliza cadeira de rodas chegue à sala de aula ou que um aluno com mobilidade reduzida use o banheiro. A falta de recursos de acessibilidade também afeta estudantes com deficiência visual (que precisam de material em braille ou áudio) e estudantes com deficiência auditiva (que precisam de intérpretes de Libras). Embora algumas redes de ensino disponibilizem salas de recurso multifuncional e professores de apoio, o número é insuficiente frente à demanda e nem sempre esses profissionais têm formação continuada adequada.

O resultado são indicadores educacionais preocupantes para pessoas com deficiência. No Espírito Santo, de acordo com levantamento da SEDH, 159.963 pessoas com deficiência não possuem instrução ou não concluíram o ensino fundamental, enquanto apenas 18.720 concluíram o ensino superior. Essa discrepância revela que poucos conseguem percorrer toda a trajetória educacional até a faculdade, reflexo de dificuldades acumuladas nas séries iniciais e no ensino médio. As causas vão desde a falta de acessibilidade nas escolas e apoio especializado insuficiente até barreiras atitudinais, como baixas expectativas em relação ao aprendizado de alunos com deficiência ou mesmo casos de bullying e discriminação nas escolas. Mesmo famílias empenhadas esbarram em obstáculos burocráticos, tendo às vezes que judicializar direitos (por exemplo, para obter um cuidador ou mediador escolar).

As escolas especiais, como as mantidas por associações (APAE, entre outras), ainda cumprem um papel importante de atendimento educacional para alunos com deficiências mais complexas ou que não se adaptaram à rede regular. No entanto, essas instituições não existem em todos os municípios e enfrentam limitações de recursos. Sem investimentos sólidos em formação de professores, adequação curricular e infraestrutura acessível, continuaremos vendo gerações de crianças e jovens com deficiência sem acesso pleno ao conhecimento e com oportunidades de vida significativamente reduzidas.

Inclusão no Mercado de Trabalho

No âmbito do trabalho, o Brasil possui uma das legislações mais antigas de cotas para pessoas com deficiência: desde 1991, empresas com 100 ou mais funcionários devem destinar de 2% a 5% de suas vagas a essa população. Apesar disso, a taxa de desemprego e subemprego entre pessoas com deficiência permanece alta. Muitas empresas ainda encaram a contratação de profissionais com deficiência apenas como cumprimento de cota e não investem na carreira desses funcionários. Com frequência, esses trabalhadores são alocados em funções de pouca visibilidade ou aquém de sua qualificação, ou enfrentam ambientes sem acessibilidade e colegas despreparados, resultando em rotatividade e desistência.

No Espírito Santo, os dados do levantamento socioeconômico mostram uma situação ambígua: um número expressivo de pessoas com deficiência está no mercado de trabalho, mas em condições distintas. Cerca de 128.803 trabalham com carteira assinada (emprego formal), enquanto 58.708 atuam sem carteira (informalmente) e 61.926 por conta própria. Ou seja, além do contingente formal, há dezenas de milhares sobrevivendo de bicos, trabalho autônomo ou empreendedorismo individual, possivelmente porque não conseguiram colocação no emprego formal tradicional. Esses números evidenciam tanto a capacidade produtiva das pessoas com deficiência, que encontram maneiras de trabalhar, quanto a necessidade de oportunidades mais inclusivas no mercado formal. Muitos talentos acabam subaproveitados pela falta de acessibilidade nos processos seletivos, de adaptação nos postos de trabalho e pelo preconceito velado de alguns empregadores.

A responsabilidade do poder público, nesse caso, é dupla: fiscalizar e orientar o cumprimento da Lei de Cotas e promover capacitação profissional inclusiva. Há esforços sendo feitos no ES, como o curso voltado a gestores de RH mencionado anteriormente, que busca sensibilizar e preparar as empresas para incluir de verdade, desde a divulgação de vagas acessíveis até a adaptação do posto de trabalho e integração da equipe. Medidas assim são importantes, mas precisam ganhar escala e continuidade. Além disso, o próprio setor público deve dar o exemplo ampliando a reserva de vagas em concursos e adaptando os ambientes de seus órgãos para receber servidores com deficiência. Programas de formação e qualificação profissional acessíveis (por exemplo, cursos técnicos com intérprete de Libras, ou ensino profissionalizante adaptado) podem aumentar a competitividade desse público nas seleções.

Outro ponto importante é garantir as adaptações razoáveis no ambiente de trabalho, como prevê a legislação, incluindo desde acessibilidade arquitetônica até tecnologias assistivas e flexibilidade de horário quando necessário. Tais ajustes aumentam a produtividade e permanência desses profissionais, demonstrando que inclusão no trabalho não é apenas cumprir a lei, mas reconhecer o potencial de cada indivíduo. Por fim, é preciso enfrentar também a barreira do capacitismo nas empresas, promovendo uma cultura organizacional que valorize a diversidade. Sem isso, as oportunidades dificilmente se converterão em verdadeira inclusão, e continuaremos a ver pessoas com deficiência sub-representadas nos empregos de maior qualificação e renda.

Desafios Sociais e Culturais

Além das lacunas estruturais, há um desafio menos tangível, porém igualmente importante: as barreiras sociais, culturais e atitudinais. O capacitismo, preconceito contra pessoas com deficiência, está enraizado na sociedade brasileira. Historicamente, corpos diferentes do “padrão” foram vistos com pena, estranheza ou inferioridade. Ainda hoje, muitas pessoas com deficiência são tratadas como incapazes ou infantilizadas, em vez de serem reconhecidas como cidadãos plenos. Essa visão equivocada leva à exclusão sutil no convívio diário: é o colega de classe que não é convidado para as festas, o profissional cuja opinião não é levada em conta, ou o morador do bairro que quase não sai de casa por falta de socialização.

No Espírito Santo, lideranças do movimento de pessoas com deficiência apontam o preconceito como uma das principais razões da baixa participação social e política desse grupo. Quando a sociedade não espera que a pessoa com deficiência estude, trabalhe, se divirta ou participe das decisões, acaba por “adormecer a ideia” de que elas podem e devem ocupar todos esses espaços. Combater essa mentalidade requer educação e sensibilização desde cedo, mostrando que diferenças fazem parte da condição humana e não diminuem o valor de ninguém. Alguns passos nessa direção vêm sendo dados: campanhas de conscientização, maior presença de pessoas com deficiência na mídia e redes sociais (como influenciadores e atletas paralímpicos ganhando destaque) e projetos culturais inclusivos.

A cultura e o lazer inclusivos, aliás, têm poder de transformação social. Um exemplo inspirador citado numa outra coluna que escrevi foi o projeto Samba com as Mãos, que integrou pessoas surdas à experiência do samba através de intérpretes de Libras durante o Carnaval de São Paulo. Projetos assim derrubam estereótipos ao mostrar que pessoas com deficiência querem e podem usufruir da cultura ao lado de todos. Cada vez que o público em geral presencia a participação ativa de uma pessoa com deficiência, seja num desfile, numa peça de teatro com audiodescrição, ou num vídeo com legendas nas redes sociais, ocorre uma sensibilização coletiva. Essa mudança de percepções leva a comportamentos mais empáticos no dia a dia, como oferecer ajuda adequadamente, evitar expressões pejorativas e cobrar acessibilidade em locais que não a oferecem. Em outras palavras, a inclusão também passa por uma mudança de cultura, na qual se valoriza a diversidade e se rejeita firmemente o preconceito.

Caminhos para a Inclusão, Dignidade e Equidade

Diante de tantos desafios, é imprescindível traçar caminhos que aproximem o Espírito Santo e o Brasil de uma sociedade verdadeiramente inclusiva. Em primeiro lugar, é necessário tirar as leis do papel, implementando políticas públicas de forma integrada e contínua. Isso envolve incorporar a acessibilidade de forma estruturante em todas as ações governamentais, do planejamento urbano à comunicação oficial. Algumas medidas concretas seriam:

Infraestrutura Acessível: Realizar investimentos massivos na adaptação de calçadas, praças e prédios públicos, implantando rampas, pisos táteis, elevadores e banheiros acessíveis. A acessibilidade urbana deve ser tratada como prioridade nos planos diretores municipais e nas obras públicas. Fiscalização rigorosa das normas de acessibilidade (como a ABNT NBR 9050) é fundamental para que novas construções e reformas já atendam aos requisitos. Afinal, uma calçada sem buracos e com rampa não ajuda apenas a pessoa que usa cadeira de rodas, mas também o idoso, a gestante, etc, ou seja, beneficia a sociedade como um todo.

Transporte Inclusivo: Ampliar serviços como o Transcol + Acessível para além da Grande Vitória, criando programas similares em cidades do interior e garantindo que toda a frota de transporte coletivo seja 100% acessível. Isso inclui manutenção constante dos elevadores nos ônibus, treinamento dos motoristas e cobradores para atender passageiros com necessidades especiais, e adequação dos pontos de embarque. A integração entre modais (ônibus, vans, aquaviário) com reservas de espaço para cadeiras de rodas deve virar regra.

Saúde e Assistência: Fortalecer a rede de reabilitação com novos Centros Especializados em Reabilitação regionais, de modo que pessoas com deficiência em todo o estado tenham acesso a terapias e equipamentos perto de suas comunidades. Ampliar a distribuição de órteses, próteses e outras tecnologias assistivas, agilizando processos burocráticos. Garantir ao menos um intérprete de Libras ou sistema de videointerpretação em cada hospital público, assim como materiais em braille e comunicação alternativa para pacientes que precisem. Capacitar as equipes de saúde continuamente para o atendimento humanizado e adequado, inclusive com simulações e protocolos específicos para diferentes deficiências.

Educação Inclusiva de Qualidade: Oferecer formação continuada para professores e gestores escolares em educação inclusiva, abordando estratégias pedagógicas, comunicação alternativa e manejo de situações desafiadoras. Aumentar o número de profissionais de apoio (cuidadores, mediadores, intérpretes) nas escolas regulares conforme a necessidade dos alunos. Investir na acessibilidade nas escolas, não só física, mas também curricular, com materiais didáticos acessíveis e uso de tecnologia assistiva em sala de aula. Universidades e instituições técnicas também devem expandir programas de apoio a estudantes com deficiência (como núcleos de acessibilidade, atendimento psicopedagógico, etc.), de forma que mais jovens tenham condições de concluir o ensino superior, superando a estatística hoje tão baixa.

Inclusão Produtiva: Criar incentivos para empresas que excedam as cotas e sejam exemplos de inclusão, certificações, selo social ou benefícios fiscais podem motivar a adoção de boas práticas. Ampliar programas de qualificação profissional voltados a pessoas com deficiência, em parceria com o Sistema S (Senai, Senac, etc.) e outras entidades, garantindo acessibilidade nesses cursos. Além do emprego formal, fomentar o empreendedorismo de pessoas com deficiência, oferecendo microcrédito assistido, capacitação em negócios e incubação de projetos liderados por empreendedores com deficiência. Com apoio e oportunidades, muitos podem gerar renda de forma autônoma e inovadora.

Sensibilização e Combate ao Preconceito: Implementar campanhas públicas regulares na TV, rádio, escolas e redes sociais que promovam a imagem da pessoa com deficiência como sujeito de direitos e capacidades, e esclareçam a população sobre como ser aliada da inclusão (por exemplo, ensinando etiqueta de convívio, divulgação do termo correto “pessoa com deficiência” em vez de termos pejorativos, etc.). Eventos culturais e esportivos devem assegurar participação inclusiva, com intérpretes de Libras, audiodescrição e estrutura acessível, inspirando outros a fazerem o mesmo. Ao dar visibilidade às conquistas e talentos das pessoas com deficiência, combate-se a ignorância e o estigma.

Participação Social e Controle: Fortalecer conselhos como o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Condef) e os conselhos municipais, garantindo que atuem ativamente na formulação e monitoramento das políticas. Incluir representantes desse segmento em debates públicos e audiências sobre mobilidade, saúde e educação. Ouvir as pessoas com deficiência é essencial para desenhar políticas eficazes – nada sobre nós, sem nós, como preconiza o movimento internacional.

Em todos esses caminhos, vale ressaltar que investir em acessibilidade e inclusão não atende apenas a uma minoria, trata-se de construir cidades e serviços melhores para todos. Recursos aplicados em rampas, transporte adaptado, comunicação inclusiva e cultura acessível retornam em forma de participação econômica, acadêmica e cultural mais ampla de milhares de cidadãos que hoje estão à margem. Quando o Estado garante autonomia a uma pessoa com deficiência, está possibilitando que ela contribua plenamente com seus talentos e habilidades, gerando bem-estar coletivo e desenvolvimento.

A realidade das pessoas com deficiência no Brasil, e especificamente no Espírito Santo, evidencia que ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a inclusão plena. As políticas públicas existentes, embora importantes, mostram-se insuficientes frente às inúmeras barreiras que essa parcela significativa da população enfrenta diariamente. Falhas de acessibilidade urbana e no transporte impedem o simples direito de ir e vir; dificuldades no acesso à saúde e à educação comprometem a qualidade de vida e as perspectivas futuras; a exclusão no mercado de trabalho mantém muitos na dependência ou na informalidade; e os desafios sociais, como o capacitismo, reforçam um ciclo de invisibilidade e desigualdade. Em suma, o poder público está muito aquém do que pode e deve fazer, não por falta de conhecimento das soluções, mas por falta de prioridade e eficácia na sua implementação.

No entanto, os caminhos para reverter esse quadro estão claros e possíveis, envolve investimento contínuo em acessibilidade física e comunicacional, cumprimento rigoroso das leis, expansão de serviços de apoio, educação inclusiva desde a base, oportunidades econômicas e um trabalho persistente de mudança cultural e comportamental. Promover inclusão, dignidade e equidade para pessoas com deficiência não é apenas cumprir obrigações legais, mas afirmar valores humanitários básicos, o respeito à diversidade e à igualdade de oportunidades. Cabe ao poder público capixaba e brasileiro assumir esse compromisso de forma transversal e integrada, transformando boas iniciativas pontuais em políticas de Estado duradouras.

Ao remover barreiras e abrir portas, estaremos não apenas garantindo direitos a quem historicamente foi negligenciado, mas também construindo uma sociedade mais justa e compassiva para todos. Como bem pontuado por especialistas, quando a acessibilidade e a inclusão se tornam pilares do desenvolvimento, ninguém fica de fora das oportunidades, seja na sala de aula, no mercado de trabalho ou nos momentos de lazer e cultura. Que o Espírito Santo possa liderar pelo exemplo, mostrando que é possível evoluir de uma realidade de exclusão para um futuro de plena cidadania para as pessoas com deficiência. Isso significará, em essência, sermos uma sociedade que valoriza cada indivíduo e não deixa ninguém para trás.

Marcel Carone é jornalista, apresentador de tv, empresário, ativista social comprometido com a inclusão, Embaixador da Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Síndrome de Down do Espírito Santo Vitória Down, Idealizador da “Brigada 21” e do “Pelotão 21”. É diplomado pela ADESG – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra e Comendador do 38° Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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