Francisco: o homem que tirou o poder do pedestal
Talvez aí esteja sua herança mais significativa: a ideia de que a autoridade só faz sentido quando está a serviço do outro.
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em 22 de abr de 2025, às 12h45

Na contagem dos papas desde o apóstolo Pedro, Francisco é o número 266. Mas é impossível encaixá-lo em qualquer sequência numérica. Ele não foi apenas mais um. Foi um ponto de virada — para a Igreja e, sobretudo, um exemplo de liderança que os chefes de Estado ao redor do mundo ainda não tiveram a grandeza de seguir.
Argentino, jesuíta, primeiro papa não europeu em mais de um milênio. O primeiro a dividir o Vaticano com um antecessor ainda vivo, e também o primeiro a romper, de forma concreta, com os privilégios do cargo. Francisco recusou as pompas do Palácio Apostólico e escolheu viver com simplicidade. Cortou gastos, podou mordomias, enfrentou privilégios instalados por séculos. Isso em Roma, capital de uma igreja que deveria ser dos pobres.
Francisco não se limitou a gestos simbólicos. Promoveu o primeiro julgamento de um cardeal por corrupção, resultado: condenação. Retirou o véu da confidencialidade sobre os escândalos de abuso sexual — um dos temas mais sensíveis e abafados da história eclesial. Deu espaço a leigos e mulheres na administração da Igreja. E ainda que com resistência, abriu caminho para o acolhimento de casais homoafetivos, resumindo tudo em uma frase que marcou seu papado: “Quem sou eu para julgar?”
Durante 12 anos, Francisco provocou desconforto entre conservadores e poderosos. Falou da miséria como quem a sente. Condenou a idolatria ao dinheiro, chamou de “economia que mata” o sistema que alimenta desigualdades. Apontou o dedo para a indústria de armas, para os conflitos sangrentos, para a tragédia migratória. Jogou flores no mar em memória dos que morreram tentando fugir da fome e da guerra. Um gesto simples, mas que nenhum líder do G7 ousou repetir.
Sua primeira viagem foi ao Brasil, onde defendeu uma Igreja menos burocrática e mais próxima das pessoas. Talvez aí esteja sua herança mais significativa: a ideia de que a autoridade só faz sentido quando está a serviço do outro. Uma lição valiosa — e rara — em tempos de vaidade política, discursos vazios e líderes que se escondem atrás de cercas, blindados por seguranças e distantes do povo.
Francisco pediu um sepultamento simples. Sem frases pomposas. Apenas uma palavra gravada no túmulo: Francisco. O homem que mostrou que é possível liderar com empatia, firmeza e coragem.
Fica o exemplo. Cabe aos líderes mundiais — e especialmente aos nossos — a difícil missão de, ao menos uma vez, olhar para o poder não como trono, mas como serviço. Francisco provou que é possível. Mas quem mais quer pagar o preço?
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