O grande teatro: a conta de luz e o preço da conveniência política

A atuação da bancada capixaba foi emblemática do pragmatismo eleitoral que domina o momento.

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em 24 de jun de 2025, às 10h40

Foto: Imagem criada por IA
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Por trás de cada centavo a mais na conta de luz, há uma escolha política. E o que o Congresso Nacional fez na última terça-feira (17) foi deixar claro, mais uma vez, que a prioridade dos parlamentares não é a responsabilidade fiscal nem o bem-estar do cidadão, mas sim a manutenção de velhos conchavos e a distribuição estratégica de favores. A derrubada dos vetos presidenciais ao Marco Regulatório da Energia Offshore escancarou o fisiologismo que reina no Legislativo, e o consumidor, como sempre, é quem vai pagar essa fatura. Literalmente.

Estima-se que a conta dessa manobra ultrapasse os R$ 197 bilhões, valor que será diluído nas tarifas de energia elétrica ao longo dos próximos anos. Tudo para atender interesses regionais e garantir palanques para 2026. É o chamado “jabuti legislativo”, em nome de uma suposta diversificação da matriz energética, enfiaram no texto dispositivos que beneficiam grupos específicos e pouco ou nada têm a ver com o objetivo central da proposta.

Entre os itens mais escandalosos restituídos ao texto, está a contratação compulsória de energia gerada por pequenas centrais hidrelétricas, mesmo sem comprovação de demanda. Um compromisso bilionário de R$ 140 bilhões, amarrado sem qualquer garantia de retorno eficiente. A isso se somam a reedição de subsídios arcaicos, como o Proinfa, e a imposição de compras obrigatórias de energia de determinadas regiões, uma conta de mais R$ 57 bilhões que será repassada diretamente ao consumidor.

Transição energética pode esperar

Enquanto o Ministério da Fazenda alertava para o impacto fiscal, ambiental e até reputacional dessas medidas, o Congresso optou por agradar setores influentes do setor energético. A agenda da transição para uma economia sustentável foi empurrada para depois. A prioridade, ao que parece, é manter a roda dos interesses girando e garantir apoios que rendam votos, ainda que o custo recaia sobre o contribuinte.

Nem mesmo a base do governo escapou dessa farra tarifária. A votação evidenciou a fragilidade da articulação política do presidente Lula e a falta de compromisso ideológico da coalizão governista. No Senado, partidos como PT, MDB e PSD foram decisivos para a derrota do Planalto. Na Câmara, o constrangimento foi ainda maior: 63 deputados do PT votaram pela derrubada dos vetos presidenciais. É a tal base que apoia, mas não entrega. A pergunta que persiste é: quem governa com o governo?

O episódio expõe a dissonância entre o discurso e a prática. O que se viu foi um Congresso que, em nome de acordos amplos e “transversais”, se alinha com o que há de mais retrógrado na política energética. Em vez de planejar o futuro, o Legislativo brasileiro insiste em remendar o passado, ao gosto dos lobbies e dos financiadores de campanha.

ES: pragmatismo eleitoral no lugar de coerência

A atuação da bancada capixaba foi emblemática do pragmatismo eleitoral que domina o momento. Dos 10 deputados federais, sete votaram pela derrubada dos vetos, entre eles nomes da esquerda, como Helder Salomão e Jack Rocha (PT), e figuras de perfil mais conservador, como Amaro Neto (Republicanos) e Da Vitória (PP). Ideologias distintas, mas um objetivo comum: agradar setores estratégicos e evitar atritos em ano pré-eleitoral.

Mais preocupante ainda é a omissão de Messias Donato (Republicanos) e Evair de Melo (PP), que preferiram votar em branco. Em votações que definem o futuro do país, e o valor da conta de luz de milhões de brasileiros, o silêncio não é neutralidade, é cumplicidade. No Senado, Fabiano Contarato (PT) seguiu a maioria e votou contra o veto presidencial, enquanto Magno Malta (PL) e Marcos do Val (Podemos) optaram pelo conforto da abstenção.

No fim, sobra para o contribuinte

A leitura é simples: em tempos de pré-campanha, a coerência partidária é descartável. Defender interesses difusos, como a modicidade tarifária ou a sustentabilidade ambiental, não rende manchetes nem apoios empresariais. Melhor posar de defensor do “emprego e renda”, ainda que o custo real seja socializado entre milhões de brasileiros.

A derrubada dos vetos ao marco da energia offshore não é apenas uma decisão técnica ou econômica. É um retrato da política brasileira em 2025: disfarçada de modernidade, mas movida a clientelismo, conveniência e cálculo eleitoral. No teatro de Brasília, o enredo é sempre o mesmo, e o papel de vilão, invariavelmente, acaba atribuído ao cidadão comum, que paga a conta no escuro.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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