O silêncio dos pequenos

Em cada gesto simples, em cada silêncio partilhado, senti algo que não se explica, apenas se reconhece: Deus estava ali

3 mins de leitura

em 08 de jul de 2025, às 16h14

Por Pe. José Carlos Ferreira da Silva

Passei a semana em retiro. Um tempo necessário — e raro — para silenciar o barulho de dentro e de fora. Um tempo para contemplar a presença amorosa de Deus na Palavra: escutada, lida, meditada. Uma presença que também se revelou viva na fraternidade dos irmãos presbíteros, homens que entregam sua vida com generosidade pelo anúncio do Reino. Em cada gesto simples, em cada silêncio partilhado, senti algo que não se explica, apenas se reconhece: Deus estava ali.

O retiro também me pediu que voltasse o olhar para a natureza — esse templo sem paredes onde tudo anuncia, ainda que em sussurros, a grandeza do Criador. Entre tantas criaturas, foi um ipê-rosa que me capturou. Estava em flor. Entre poucas folhas, as muitas flores explodiam em cor, como se não coubessem mais dentro de si. Um espetáculo silencioso e gratuito, como só a natureza sabe oferecer.

Ali, parei. Vi as flores vibrantes e coloridas dos ipês atraindo os insetos polinizadores — operários discretos e fiéis. Eles vêm, fazem seu trabalho e vão embora. Sem aplauso, sem palco. E, no entanto, são fundamentais. São eles que garantem que a árvore se reproduza, que a vida continue, que o ciclo não se rompa. E foi então que caiu a ficha: nós humanos precisamos desses insetos para a nossa própria continuidade.

A gente costuma pensar que o mundo gira ao nosso redor. Mas quem garante o pão, o ar, a flor, é o zumbido das abelhas, o voo dos besouros, o cuidado de um Criador que trabalha nos detalhes. Nós, os grandes, esquecemos dos pequenos. Esquecemos que sem eles não há fruto, nem semente, nem árvore, nem comida, nem vida.

O ipê florido, naquele silêncio de retiro, me pregou uma homilia inteira.

Possivelmente um dia, se não mudarmos, as flores ainda floresçam, mas ninguém venha buscá-las. Serão belas, sim — mas inúteis. Estéreis. E aí, talvez tarde demais, entenderemos que a criação é interdependente. Que o Reino de Deus passa também por esses vínculos escondidos entre as coisas simples. Que a beleza, a graça e até a salvação podem começar pelo zumbido de uma abelha num galho de ipê-rosa.

E ali, no meio do retiro, entre a Palavra e a árvore, compreendi mais uma vez: Deus fala. Basta parar para escutar.

*** Pe. José Carlos Ferreira da Silva é autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral  – Editora Dialética.  É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência,  Cachoeiro de Itapemirim.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

Receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro de tudo! Basta clicar aqui