O tempo do padre

Ainda que o padre ame o chamado, ame as pessoas, ele continua sendo um ser humano. E ser humano, por mais que se esforce, não escapa das regras básicas

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em 15 de jul de 2025, às 11h52

Foto: Divulgação
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Por Pe. José Carlos Ferreira da Silva

Ainda que o padre ame o chamado, ame as pessoas, ele continua sendo um ser humano. E ser humano, por mais que se esforce, não escapa das regras básicas: tem corpo, tem cansaço, tem um limite bem definido onde termina o ideal e começa o desgaste.

O problema não é o chamado. O padre aceitou isso. Não é o evangelho, nem a cruz — ele se preparou para tudo isso. O que pega mesmo são as reuniões que não terminam, as cobranças que não edificam, as críticas vazias disfarçadas de “conselho fraterno”. Pior: geralmente, quem mais exige, mais complica e menos frutifica. Tem sempre aquele membro da comunidade que não ajuda, não muda, não cresce, mas está em todas, apontando o dedo, reclamando do horário da missa, da Celebração, do outro, da cor da toalha do altar, do volume do microfone.

E o padre ouve. Ouve porque é pastor. Só que isso tem um preço. Enquanto o chato monopoliza o tempo, o jovem que queria conversar sobre vocação foi embora. A senhora que precisava de uma bênção não conseguiu esperar. A família que vinha pedir ajuda para salvar o casamento perdeu o horário. O padre estava ocupado — lidando com quem faz barulho, mas não dá fruto.

E aqui está o dilema silencioso: se ele atende, esgota-se; se não atende, é acusado de não ter paciência, de não ser “acessível”. Como se santidade fosse sinônimo de aguentar grosseria em nome da caridade.

Ninguém fala sobre isso no seminário. Nem nos retiros. Ninguém ensina como lidar com gente difícil quando o relógio não para e a fila aumenta. Mas todo padre aprende, cedo ou tarde, que amar a todos não significa estar disponível para todos o tempo todo.

Porque até Jesus, com todo amor que tinha, retirava-se às vezes para rezar. Não porque abandonava as ovelhas, mas porque sabia: um pastor exausto não protege rebanho, só arrasta passos. E quando o padre começa a viver disso — só se arrastando —, não é a vocação que está errada. É o ambiente ao redor que virou cobrança sem empatia.

Por isso, se você tem um padre por perto, reze por ele. Mas mais que isso: respeite o tempo dele. E, se possível, facilite. Seja daqueles que ajudam, que somam, que edificam. Porque o Reino de Deus não precisa só de operários. Precisa de gente que não atrasa a colheita.

*** Pe. José Carlos Ferreira da Silva é autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral  – Editora Dialética.  É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência,  Cachoeiro de Itapemirim.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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