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em 25 de abr de 2025, às 14h10

por João Paulo Alóchio Lucas
O Papa Francisco morreu. E com ele, talvez tenha morrido também a última voz capaz de falar de justiça social, fome, guerra e desigualdade sem precisar de tanques, taxas de juros ou acordos bilaterais. Não era perfeito, nem estava isento de críticas — mas era ouvido.
Quando ele falava sobre migrantes afogados no Mediterrâneo, sobre o desespero em Gaza, ou sobre os excessos do capitalismo financeiro, não falava como um chefe de Estado. Falava como alguém que via o mundo de baixo para cima.
Sua morte, em pleno colapso geopolítico e econômico, deixa um vácuo que não é apenas religioso. É ético. É humano.
E agora? Quem restou para levantar a voz quando a guerra vira rotina? Quando a fome volta aos noticiários como dado estatístico? Quando a lógica dos mercados cala a dor dos povos?
Hoje, enquanto os cardeais se reúnem em Roma para escolher seu sucessor, o mundo vive seu próprio conclave — silencioso e tenso. Este, em especial, acontecerá sob os escombros de Gaza, os céus fumegantes de Kiev, os campos empobrecidos do Sudão e os desertos políticos de Washington.
O planeta inteiro aguarda um sinal de estabilidade. Uma liderança. Uma bússola. Mas não há fumaça branca. Só a negra, espessa, de um mundo que não sabe mais para onde vai.
Francisco, com todas as suas limitações institucionais, ousou falar do sistema. Foi um dos poucos líderes globais a dizer com clareza que o capitalismo descontrolado mata, que a especulação financeira não pode estar acima da dignidade humana, que a ecologia integral é urgente. Encíclicas como Laudato Si’ e Fratelli Tutti incomodaram banqueiros, políticos, negacionistas, e até setores da própria Igreja. Mas serviram como farol — ou, ao menos, como alerta.
Ele dizia: “Esta economia mata.” E agora, quem repete isso nos salões do poder?
Enquanto o mundo entra num novo ciclo de rearmamento, com os Estados Unidos voltando a investir pesadamente em Defesa, a Rússia dobrando sua retórica imperial e a China testando seus limites com Taiwan, o discurso de paz virou sinônimo de ingenuidade.
Falar de redistribuição de riqueza ou cancelamento da dívida dos países pobres virou piada em fóruns financeiros. Falar de Gaza como uma crise humanitária, e não como um simples “teatro de guerra”, parece crime político. A solidariedade internacional virou uma nota de rodapé.
E a economia? Vive um luto desordenado. A recessão bate à porta da Europa e a China patina num modelo que envelheceu rápido demais. Os Estados Unidos tentam equilibrar crescimento e estabilidade, mas com uma eleição à vista, tudo vira cálculo eleitoral. A África é deixada de fora das discussões. A América Latina — como sempre — é a última a ser chamada.
O que está morrendo, junto com Francisco, é a capacidade de se pensar a economia como um meio e não como um fim. De lembrar que o PIB é uma métrica. De entender que o mercado existe para servir às pessoas, e não o contrário. De olhar para o sofrimento humano e chamá-lo pelo nome.
A escolha de um novo Papa, neste momento, tem um peso que vai além da Igreja. O mundo assiste — muitos com ceticismo, outros com esperança — tentando entender se ainda é possível eleger alguém que ouse colocar os pobres no centro, como Francisco fez. Porque, no fundo, o que falta à economia global é justamente isso: alma.
A morte de Francisco não é só o fim de um pontificado. É o fim de um raro ponto de equilíbrio entre fé e política, tradição e coragem, espiritualidade e realidade. Ele foi o último chefe de Estado a falar com líderes globais sem medo de desagradar mercados. O último a se encontrar com vítimas de guerra e exigir responsabilidade de quem tem poder. O último a dizer que o planeta não aguenta mais um modelo que exclui, explora e adoece.
Agora, o conclave se reúne. No Vaticano, e no mundo. Todos esperando a tal fumaça branca. Um sinal de que algo mudou.
Mas talvez devêssemos nos perguntar: se até o Papa foi incapaz de frear essa marcha cega rumo ao abismo, quem conseguirá? E, se ninguém mais fala como ele, seremos nós — cidadãos, organizações, movimentos, povos — que teremos de levantar a voz. Porque, do contrário, não haverá mais conclaves. Apenas cinzas.
** João Paulo Alóchio Lucas é Jornalista e entusiasta das ciências exatas. Economia e geopolítica são temas recorrentes em sua atuação editorial.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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