Turistas da guerra, reféns da economia

Assim como nos conflitos armados, quem está na base da pirâmide social se torna bucha de canhão. Se antes os jovens pereciam nas trincheiras, hoje são famílias inteiras que veem seu poder de compra se esvair

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em 12 de fev de 2025, às 17h47

Foto: Reprodução/Freepik
Foto: Reprodução/Freepik

por João Paulo Alóchio Lucas

Desde que a sociedade passou a se organizar em classes, a guerra sempre foi o método preferido para resolver conflitos — quase sempre ignorando os interesses coletivos. A capacidade de subjugar o outro pela força é uma tentação irresistível para os mais poderosos. Afinal, nesse jogo, a equação é simples: o mais forte vence, sempre.

Com o tempo, porém, a arte da guerra evoluiu. Hoje, tecnologia e informação valem mais do que qualquer arsenal militar. O impacto de uma sanção econômica pode ser tão destrutivo quanto um míssil hipersônico — com a diferença de que as vítimas não são soldados no front, mas cidadãos comuns que mal compreendem os mecanismos desse conflito silencioso.

É nessa arena que o recém-empossado presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, move suas peças. Seu tabuleiro de guerra não é feito de trincheiras, mas de taxações, tarifas e especulações financeiras. Em um mundo cada vez menos globalizado, essa batalha pressiona mercados, abala investidores e redefine alianças.

O inimigo declarado são os países que formam os BRICS. O problema? A China é o cofre do bloco e a Rússia, seu cão de guarda. O Ocidente tenta conter esse avanço, mas encontra um Oriente cada vez mais fortalecido e uma Europa envelhecida e anêmica, que já não tem o mesmo fôlego para liderar embates.

No Brasil, um país acostumado a ser turista de guerra, a realidade está mudando. Já não somos apenas espectadores de conflitos transmitidos nos plantões jornalísticos — sentimos seus efeitos na mesa do jantar. As instabilidades corroem salários, os preços disparam e as incertezas econômicas pairam sobre o futuro.

Assim como nos conflitos armados, quem está na base da pirâmide social se torna bucha de canhão. Se antes os jovens pereciam nas trincheiras, hoje são famílias inteiras que veem seu poder de compra se esvair. A nova guerra não se faz com tanques, mas com juros, recessão e desemprego. Os combates são invisíveis, mas suas consequências são devastadoras.

A interdependência econômica, antes vista como um escudo contra grandes rupturas, agora se revela uma armadilha. Quando um gigante como a China desacelera sua produção ou quando os Estados Unidos elevam suas taxas de juros, os reflexos são sentidos em cascata. Países emergentes, como o Brasil, se veem à mercê dessas oscilações, incapazes de ditar suas próprias regras no jogo.

Governos de nações que orbitam este conflito tentam equilibrar interesses externos e demandas internas, muitas vezes sem sucesso. As promessas de crescimento sustentável esbarram em realidades cruéis: déficits fiscais, desindustrialização e uma dependência cada vez maior de commodities. O campo de batalha, antes delimitado por fronteiras físicas, agora é um emaranhado de negociações comerciais, embargos e estratégias financeiras.

Se a guerra tradicional deixava cidades em ruínas, a guerra econômica deixa nações inteiras sem perspectivas. Enquanto as grandes potências brigam por supremacia, os cidadãos comuns seguem reféns de um modelo que transforma suas vidas em variáveis estatísticas. Para a maioria, não há estratégia de defesa nem plano de fuga. Resta apenas a esperança de que os próximos movimentos do tabuleiro tragam menos sacrifícios e mais oportunidades.

** João Paulo Alóchio Lucas é Jornalista e entusiasta das ciências exatas. Economia e geopolítica são temas recorrentes em sua atuação editorial.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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