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Intersexo: mulher de Iúna engravida mesmo tendo pênis

"Meu cariótipo é 46,XX/46,XY, um caso raro de ambiguidade genital, em que todos os órgãos sexuais são funcionais."

Por Redação

7 mins de leitura

em 26 de out de 2019, às 12h04

Foto: Divulgação

Luiza Freitas nasceu algumas vezes na vida. A primeira foi em novembro de 1978. Naquele dia, no hospital de Iúna, a mãe, que não tinha realizado pré-natal durante a gravidez, descobriu, na hora do parto, que seu bebê era diferente dos outros.

A criança nasceu com os órgãos e sistemas reprodutivos de ambos os sexos bem formados, incluindo vagina, pênis, útero, ovário e testículos. Era uma criança intersexo, assunto que não se discutia na época.

“Meu cariótipo é 46,XX/46,XY, um caso raro de ambiguidade genital, em que todos os órgãos sexuais são funcionais. Mas como o masculino era mais protuberante, os médicos me consideraram menino. Fui registrada como Eli Luiz de Freitas e criada como garoto”, conta .

Aos nove anos ela nasceu pela segunda vez. Foi nesta idade que se reconheceu pela primeira vez como menina. “Gostava de passar batom, pegava as roupas da minha mãe, mas meus pais não aceitavam”.

Sofreu todos os tipos de preconceitos. Na escola foi xingada, na cidade foi apedrejada na única praça do local. Até que aos 13 anos começou a transição de gênero. Morria Eli Luiz de Freitas, nascia Luiza.

Entenda a diferença entre hermafrodita e intersexual

Frequentou a universidade, trabalhou na área artística, namorou, teve dois abortos espontâneos, até que se tornou mãe – tendo tanto os órgãos femininos quanto os masculinos no momento do parto, uma cesárea.

Durante 37 anos ela guardou sua história para si. Às vésperas do Dia Internacional da Visibilidade Intersexo, comemorado dia 26 de outubro, ela decidiu tornar público tudo o que viveu, com o objetivo de, talvez, ajudar pessoas como ela. Na entrevista a seguir, Luiza relembra suas dores, fala sobre a alegria de ser mãe, seus arrependimentos e como se tornou uma mulher que nasceu várias vezes nesta vida.

Quando seus pais descobriram que você era intersexo?

Na verdade nasci intersexo, ou seja, nasci com os órgãos e sistemas reprodutivos de ambos os sexos bem formados, incluindo vagina, pênis, útero, ovário e testículos. No meu nascimento, o órgão masculino se destacava mais, ele aparentemente era mais perfeito do que o feminino, por isso fui registrada como menino. Foi uma escolha dos meus pais, por ordem dos médicos. Eles disseram até que eu tinha que fazer uma cirurgia para fechar o sexo feminino e deixar só o masculino. Porém, como o hospital de Iúna não tinha estrutura para cirurgia, teria que ir para Vitória ou Belo Horizonte, o que não aconteceu porque minha família não tinha condições financeiras. Mas isso acabou me salvando, porque se isso tivesse acontecido, eu não teria tido direito de escolha. Teria sido mutilada. E isso teria acabado comigo.

Como foi a sua infância?

Foi bem dura. Até os 8 anos vivi como menino, depois eu comecei a me sentir menina. Gostava de passar batom, pegava as roupas da minha mãe. Meus pais não aceitaram, para eles eu era um menino. Minha mãe sempre me levava para os médicos, até porque eu tinha bastante problemas psicológicos. O grande problema é que todos afirmavam que eu era um garoto, inclusive os doutores. Por questões religiosas não aceitavam. Sofri bullying na escola, me chamavam de viadinho. Até apedrejada na praça da igreja eu fui. Com 11 anos meu pai, que era bem rígido, me espancou porque estava vestida de menina. Por conta disso, minha mãe fugiu comigo da cidade. Alugou uma casa, separou do meu pai por um tempo, mas acabou voltando porque não tinha condições de se sustentar sozinha. Aos 12 anos ela acabou me levando para um seminário.

Como foi viver no seminário?

Não foi legal, estava num lugar que não gostava e era sempre julgada. Sofri abuso sexual, mas não gosto de falar sobre isso. Até que resolvi fugir do seminário. Uma pessoa, que considero meu anjo da guarda, me levou para uma casa de apoio de pessoas transexuais, em Ribeirão Preto.

A partir daí, aos 13 anos, você começou a fazer a transição para o sexo feminino…

Sim. Fiz a transição toda errada, porque não tinha dinheiro. Fiz com silicone industrial injetável no corpo, a agulha ia direto na pele. Também tomei os hormônios mais baratos. Tudo era feito nessa casa e uma mulher trans mais velha que aplicava em todas as meninas. Até hoje estou com problemas, tenho que fazer drenagem para amenizar o problema do silicone, que acabou se espalhando e foi para perna e outros lugares do corpo. Duas vezes por ano faço cirurgias para tirar o silicone do corpo. Tudo o que fiz aos 13 anos pode me levar a morte.

Você chegou a se prostituir?

Me prostituir não. Mas tive alguns caras que me ajudavam. Na época que morei em Ribeirão Preto tive dois amantes, que gostavam de mim e, por isso, me bancavam. Foram eles que me ajudaram e me deram o empurrão para seguir na vida. A prostituição nunca foi a minha área.

Você só transava com homens?

Eu sou pansexual, porque me interesso e me relaciono com pessoas. Já me relacionei com homem, mulher, homens transexuais e também já namorei com uma mulher transexual.

Luiza Freitas

Se apaixonou alguma vez na vida?

Sim. Tive vários amores e paixões, já sofri muito. Hoje não sou mais romântica, de me apegar. Já tive um relacionamento com um homem cis (indivíduo que se apresenta ao mundo e se identifica com o seu gênero biológico) bem duradouro. Aliás, os relacionamentos mais duradouros foram com homem cis.

E quando você engravida pela primeira vez?

Engravidei duas vezes, mas tive abortos espontâneos. Os médicos diziam que era impossível eu ter filhos porque meu útero era pequeno e meus hormônios não ajudavam muito. A medicina estava certa de que eu não podia ser mãe. Aliás, diziam que eu podia até engravidar, mas seria impossível o bebê nascer.

E aí você se torna mãe…

Aos 33 anos engravidei pela última vez. Cheguei a ter sangramento com três meses, achei até que tivesse perdido. O tempo passou e continuei com sentimento de grávida. Quando fui fazer o ultrassom já estava grávida de 5 meses. A minha filha Rihana nasceu em 24 de fev de 2012. O meu maior sonho era ser mãe.

Como foi pra você – tendo os órgãos femininos e masculinos – chegar como paciente para uma consulta de pré-natal, com um ultrassom gestacional?

Nunca tinha pedido a retificação do meu nome. No RG ainda era Luiz. Foi difícil porque tinha que contar todo o histórico e as pessoas achavam que estava usando documentos falsos. Depois de bastante tempo e investigação, viram que eu era uma pessoa intersexo e comecei o pré-natal. Era muita humilhação, nas consultas as pessoas ficavam cochichando. No dia do parto, o hospital todo se reuniu. Os médicos me olhavam diferente porque acho que nunca tinham visto uma grávida como eu. Eles próprios não sabiam muito bem como lidar, onde fazer o corte da cesariana. Reuniram o hospital todo. Até onde sei, no Brasil, sou a única mulher trans e intersexual que teve um bebê biológico.

O que representa a chegada da sua filha?

Representa a minha própria identidade. Eu precisei ser mãe, ter uma filha biológica para provar que realmente era uma mulher.

Luiza Freitas

Qual a sua luta?

A minha maior luta é pela visibilidade e igualdade. Hoje luto por uma população LGBTQ+, transexuais, intersexo e pelas crianças que nascem como eu nasci.

Você bagunça muito a cabeça das pessoas. Um ser humano intersexo, trans com filho biológico…

As pessoas ficam confusas, outras acham interessante, tem as que acham estranho. Mas acima de tudo tem muito preconceito, gente que me acha uma aberração ou deficiente. Tive muitos traumas ao longo da vida. Tanto que não consigo ir ao Espírito Santo por conta de alguns deles. Por mais que tenha estudado, me formado, sido mãe… Hoje sou empresária, dona de uma clínica de estética em Jundiaí, interior de São Paulo.

Fonte: A Notícia

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