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“Pais têm de enxergar sinais”, diz mãe de um jovem que atacou escola

Um relatório da transição de governo federal relata 35 mortes em ataques em escolas de 2000 a 2022; ao todo, 72 pessoas ficaram feridas em 16

Por Redação

7 mins de leitura

em 01 de abr de 2023, às 20h45

Foto: Reprodução

Na tarde de 19 de agosto de 2022, Adriana tinha chegado de uma viagem de férias dos Estados Unidos quando recebeu a notícia: seu filho Henrique, de 18 anos, tinha acabado de invadir a Escola Municipal Éber Louzada Zippinotti, em Vitória, no Espírito Santo, com seis facas ninjas, arco com 59 flechas, 3 bestas e 4 coquetéis molotov. Após ter acesso negado no portão, ele escalou a grade de seu ex-colégio e chegou a ameaçar estudantes e funcionários, mas acabou detido por policiais e seguranças e ninguém se feriu. Autuado em flagrante por tentativa de homicídio qualificada por motivo fútil, está preso.

Um relatório da transição de governo federal relata 35 mortes em ataques em escolas de 2000 a 2022; ao todo, 72 pessoas ficaram feridas em 16 episódios. Nesta semana, Adriana reviveu todo o drama, ao saber do ataque à Escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, com a morte de uma professor. Para ela, que pediu para não ter seu sobrenome divulgado por ameaças, discussões como a da redução da maioridade penal não resolverão o problema.

Mas os pais precisam ficar alertas. “Meu filho nunca teve problema de saúde, a gente não tem problema de dinheiro, a gente não tem problema de educação, não tem problema de amor. O que levou meu filho a fazer isso eu não sei. Do mesmo jeito que um monte de mãe e pai aí está achando que esse comportamento (do filho) é normal e ele pode ser o próximo agressor.” Veja a seguir trechos da entrevista com a enfermeira, cuja íntegra vai ao ar na coluna Mulheres Reais, da Rádio Eldorado, na próxima segunda-feira, às 8 horas.

Como tem sido sua vida desde 19 de agosto, quando seu filho atacou a escola?

Na hora que cheguei, ele não estava e eu perguntei para o irmão: “Cadê o Henrique?”. “Ah, mãe, foi no supermercado”. Eu: “Tá, tudo bem”. Quando minha sogra depois ligou e o pai dele ligou, dizendo que estava sendo conduzido para a delegacia porque tinha invadido uma escola, é que eu fiquei sabendo. Foi um susto. É uma situação tão bizarra, tão irreal que você não acredita. Depois você vai tentar rever o que houve, o que estava acontecendo, os sinais que ele estava apresentando e eu não percebi. E esse é o objetivo da minha exposição aqui: gostaria de alertar os pais para enxergarem esses sinais que o meu filho deu e eu não consegui enxergar.

Você pode detalhar?

Eram coisinhas típicas de adolescente que a gente não leva em consideração. O Henrique sempre foi muito tímido. Era difícil até de fazer e manter amizades. Ele tinha a roda de amigos dele. Quando saiu dessa escola e no ensino médio foi para uma particular era totalmente diferente. Logo depois veio a pandemia. Então ele começou a se fechar muito, ficava só dentro do quarto ou no banheiro trancado. Sempre com um computador ou com o celular, sempre. Depois começou a se vestir de preto, só pedia para comprar roupa preta. Ele pediu um coturno também que o pai deu, mas eu achava que fosse estilo dele, entendeu? Também começou a ficar muito mais introspectivo. Aí pediu suspensório, pediu cinto preto e, no aniversário de 18 anos, pediu uma capa de couro preta enorme. Eu falei: “Meu filho, eu não vou te dar porque em Vitória não tem frio para usar um negócio desses.” Ele pediu o livro do (Adolf) Hitler para ler e falei: “Meu filho, nazismo no Brasil é crime. Nem se quisesse eu poderia fornecer esse material para você, porque é proibido. E ele: “Não, mãe, eu queria entender a mente do Hitler”. E eu falei: “Ah, então você vai fazer pesquisa, mas o livro eu não vou te dar”.

E as armas?

É um assunto meio conflitante. Porque eu também gosto, entendeu? Meu pai é militar, o pai dele é militar e eles queriam seguir carreira militar. Então eu meio que incentivei também. Eu levava eles para atirar, não com arma de verdade, mas com aquelas de bolinha, de chumbinho e tal. Mais por conta do desejo deles de seguir a carreira militar. Então a gente sempre teve muito convívio com esse assunto de armas, mas não a ponto de ter uma arma. Então ele começou a andar muito de preto… Mesmo depois que passou o negócio de máscara (da covid), ele continuou usando máscaras pretas. Enfim, introspecção, não saía do quarto para nada. Nos últimos seis meses mais ou menos (antes do ataque) ele começou a ficar agressivo, resposta ríspida, sem nenhum contato afetivo, não dava boa noite, não dava beijo, não se despedia, coisa que a gente sempre teve o costume de fazer.

Como você interpretou?

Coisa de adolescente normal. Mas o que eu vejo hoje é a frieza. Ele não sorria mais, nem em foto ele sorria mais. Ele não expressava nenhum afeto, nenhum carinho por ninguém. (…) realmente estava muito frio, não me dava atenção, mas achei que estivesse de birra, que fosse coisa de adolescente. Porque eu também fui adolescente. A gente pintava às vezes o cabelo de papel crepom roxo, usava algumas roupas esquisitas, mas era esse negócio de ter uma turma, uma tribo. Eu achei que fosse isso e respeitei… Infelizmente.

Quanto você acha que comunidades de ódio da internet incentivaram seu filho no ataque?

Eu nunca conversei com ele sobre esse assunto. Até porque o tempo de visita (na prisão) é muito curto. Eu vejo meu filho uma vez por mês por 30 minutos. Então eu tento valorizar esse tempo que estou com ele. Mas realmente nessas comunidades do submundo da internet, algumas desse Discord principalmente, que depois eu fiquei sabendo que ele frequentava e (onde) até comandava grupos, tem essa alienação que eles fazem desses jovens. Eu não sei como que eles capturam esses jovens, não sei como que eles seduzem esses jovens, mas parece que pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles. É isso o que eu vejo hoje.

Como você vê a indicação de especialistas de que expor imagens de ataques incentiva novos ataques?

Eu observei que tem um padrão de método. Por exemplo: todos escrevem tipo um diário antes, mais ou menos umas 30 páginas justificando o ato. Tem um intervalo de tempo entre um ataque e outro. E um estimula o outro. Cada ataque desses estimula o próximo porque eles criam um score, vamos dizer assim, eles têm uma pontuação: quanto mais eles matam, mais a nota é alta. E, se eles morrem em confronto, aí sim viram heróis. O de Suzano (que matou sete pessoas em 2019) é venerado, os dois de Columbine (que mataram 12 alunos e um professor em 1999 nos Estados Unidos) também são idolatrados. Então esses que conseguem matar e morrer são os heróis deles, são os ídolos, e eles tentam atingir esse patamar. Por isso que falar de (redução da) maioridade penal ou de (restrição ao) acesso a armas não vai adiantar porque matar e morrer é o que vão fazer eles se sentirem bem, entendeu? Por exemplo, meu filho entrou com uma besta que ele comprou na internet e entrou com faca que ele comprou na internet. O coquetel molotov fez em casa. Não vai ser restringindo o acesso a arma de fogo que vai diminuir isso e a maioridade penal também não cabe nesse caso. Porque, quanto mais novo (o assassino) e mais vítimas morrerem, melhor para eles.

Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?

O que esses meninos fizeram são coisas horríveis. Mas que eles não sejam sacrificados. Eu não estou dizendo que são vítimas não, mas esses meninos estão doentes, a juventude está doente. A questão de saúde mental é importantíssima. Quando chegam a cometer um ato desses é porque já chegaram ao ápice do desequilíbrio. O mal que eles estão fazendo é um reflexo de alguma coisa na sociedade que está dando errado. Se depois desta entrevista eu conseguir evitar um ataque, já vou estar realizada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.



Luciana Garbin e Carolina Ercolin
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