Iúna
Abuso: livro aborda os traumas e dores de quem vive essa violência
Obra será lançada na Casa da Cultura em Iúna, na sexta (28), e trata sobre os diversos tipos de abuso e suas consequências na vida de um ser humano
Nesta sexta-feira (28), será realizado o lançamento do livro “Abuso: Traumas e Dores – Quando o inimigo mora em casa”, da psicóloga Maralins Lopes Rezende. O evento será realizado na Casa da Cultura de Iúna, a partir das 19 horas. Um livro que trata de um tema sensível, fruto de relatos da vida real que a psicóloga ouve no seu dia a dia e que transformou na história de um pai de família que pratica abusos, retratando os abusos sofridos por crianças, adolescentes e até adultos que são frequentes em nossa sociedade.
Maralins é psicóloga clínica, com formação em educação e serviço social. Mineira de Juiz de Fora (MG), ela veio para o Espírito Santo muito cedo, morando em Iúna há vários anos. Ela tem dois filhos, Beatriz, com 19 anos, e Davi, 17. E os dois foram seus parceiros na elaboração do livro. “Eu escrevia e lia, para eles, que compartilhavam suas impressões e davam opiniões de como estavam recebendo a história”, conta.
Ela trabalha em Iúna, Ibitirama e Marechal Floriano, atendendo pessoas de diversos municípios de suas regiões. E, nesses atendimentos da chamada atenção secundária, ela teve acesso a muitos fatos bizarros e impactantes. E, juntando sua paixão por escrever – ela tem outros e-books publicados e já escreveu para revistas e até para a Folha do Caparaó (hoje, portal Aqui Notícias), resolveu fazer um apanhado de vários relatos de atos de abuso, utilizando aqueles que mais chamaram atenção para definir o enredo do livro. “Logo, não há como identificar algum paciente, porque aborda vários momentos, dentro da história de uma família fictícia, onde o que acontece é baseado em fatos reais”, explica a escritora.
São muitos os casos de abuso sexual
Ela conta que impressiona a quantidade de casos de abuso existentes, não só de crianças, mas também de adultos. Por isso, pode afirmar, com toda segurança, que 70% das mulheres que atende passaram ou passam por algum tipo de abuso. “Recebo muitas demandas do Ministério Público e todas são de abuso”, entatiza. “E contando essa história, muita gente pode se identificar com ela”, completa.
Maralins destaca que é necessário falar sobre o assunto, apesar de existir um tabu em relação a isso. “Mas falar é importante, porque há muita gente que passa por isso e não se dá conta de que está sendo abusada, porque são vários tipos de abuso: sexual, psicológico, emocional, patrimonial, etc”, ressalta. “Estão todos no enredo do livro, com os quais as pessoas podem se identificar e, a partir disso, começar a organizar a própria vida e tomar decisões que não tomou ainda, por falta de coragem e informação”, acrescenta.
A psicóloga coloca que os abusos sempre existiram, mas antigamente, as pessoas tinham menos voz e a grande maioria dos adultos da família sabia, mas as vítimas eram caladas. “Acredito que, com o advento da internet, com mais informação, as pessoas começaram a ficar mais seguras para falar sobre esses abusos, denunciar, e isso fez com que esses atos ficassem mais visíveis e as pessoas descobriram que podem buscar ajuda”, afirma.
Quando a vítima vira a culpada
Contudo, o livro aborda não só a experiência de crianças e adolescentes. Ela esclarece que alguns personagens homens apresentam perfis e traços de personalidade de abusadores psicológicos e emocionais. “A história narra como esse abusador se comporta, não só quando parte para a questão sexual, mas como faz a manipulação do abuso, tornando cativa, a vítima que acaba se sentindo culpada”, destaca.
E esse é um ponto abordado no livro. Quando o adulto cuidador, que deveria proteger, “não acredita na vítima e, quando acredita, atribui a ação a ela”. “Como se a pessoa tivesse consentido ou provocado o próprio abuso”, explica. “Essa talvez seja a maior dor que eu tenha tratado até hoje, não pelo abuso em si, mas pelo fato da pessoa não ter para onde correr”, enfatiza, destacando que, por isso, o subtítulo do livro é “Quando o inimigo mora em casa”.
Maralins também coloca que esse é um primeiro livro. Nele, a história é contada a partir da narrativa de uma irmã mais velha, que não é a personagem principal. E adianta que haverá um volume dois, que pretende lançar no ano que vem, onde a narrativa será a partir da perspectiva da abusada. “Então, esse primeiro livro é uma narrativa de quem viveu a situação e ficou confusa, se realmente tinha acontecido ou não, mais ou menos isso”, conta, evitando adiantar o final da história.
As consequências para quem é abusado
Falando sobre casos que já atendeu e são citados no livro, como exemplo, a psicóloga destaca uma menina que era abusada, pelo pai, enquanto dormia. “Ela demorou muito para entender que era abusada, porque ela tinha um transtorno de sono e, quando o pai cometia o abuso, ela não sabia exatamente se era ou não abuso, se realmente tinha acontecido”, relata. “Essa foi uma história que teve vários desdobramentos que envolveu Conselho Tutelar, Ministério Púlico, Polícia… foi muito difícil de ser resolvido e cuidar dessa menina”, complementa.
Maralins ressalta que as consequências de um abuso são devastadoras para quem é abusado. Principalmente, uma criança que não simboliza o que é um abuso, mas entende que tem alguma coisa errada. “O misto das emoções, do medo misturado com o nojo, com o pavor, a raiva”, enfatiza, lembrando uma paciente que atendeu e foi abusada pelo padrasto. “Ela me contou sobre a sensação, 20 anos depois, ainda, da lembrança do cheiro, do local em que acontecia o abuso, da dor que sentia, o que, hoje, traz impactos diretos na vida afetiva dela, em seus relacionamentos, com o sexo oposto, e uma série de traumas ligados ao cuidado, ao medo de ser abandonada, porque, quando precisou do acolhimento, isso não aconteceu e isso traz, ao longo da vida, essa sensação de desamparo, de desproteção, e essa pessoa pode, por conta desse medo que foi impresso nela na infância, desenvolver vários tipos de transtornos”, salienta.
Proteção e denúncia
Por isso, segundo ela, a ideia do livro e de qualquer iniciativa sobre o assunto deve ser sempre o de proteger o abusado, para que seja acolhido, validado, sem medo de não ser resgatado dessa situação que é uma das piores que uma criança ou adulto pode passar. “Ninguém devia passar por isso e precisamos dar voz a essas pessoas”, afirma.
E destaca que, no caso de qualquer abuso, a pessoa deve denunciar imediatamente, procurar uma pessoa idônea, alguém com quem a pessoa se sinta acolhida e não seja desacreditada. “E também acionar as instituições legais, como Conselho Tutelar, Ministério Público, Polícia Civil e não se calar”, exclama. “O abusador não para numa vítima só, principalmente, se ficar muito tempo na sombra”, conclui.
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