Adolescência e comportamento na escola
A adolescência é uma fase da vida marcada por intensas transformações, tanto físicas quanto emocionais. No ambiente escolar, essas mudanças se manifestam em comportamentos

Por Eduardo Machado
Receba as principais notícias no seu WhatsApp! clique aquiA adolescência é uma fase da vida marcada por intensas transformações, tanto físicas quanto emocionais. No ambiente escolar, essas mudanças se manifestam em comportamentos que muitas vezes desafiam a autoridade e a convivência pacífica. Como professores, nos encontramos diante do desafio de guiar jovens em um período de grande vulnerabilidade, buscando o equilíbrio entre a orientação e o respeito à individualidade.
A filosofia, com sua vasta tradição de reflexão sobre a natureza humana, oferece ferramentas valiosas para compreendermos e abordarmos esses desafios. Platão, em sua obra A República, discute a importância da educação na formação do caráter, afirmando que a alma deve ser guiada pelo conhecimento e pela virtude. Contudo, ele também reconhece que essa formação não é um processo linear, mas sim um caminho repleto de obstáculos e desvios. Na adolescência, esses obstáculos se tornam mais evidentes. A busca por identidade, a necessidade de aceitação social e as mudanças hormonais contribuem para a instabilidade emocional e comportamental. Para lidar com essas questões, é fundamental que nós, educadores, adotemos uma postura humanista e empática, reconhecendo a complexidade do período que nossos alunos atravessam.
Erik Erikson, em sua teoria do desenvolvimento psicossocial, destaca que a adolescência é uma etapa de crise de identidade versus confusão de papéis. O adolescente está em busca de um sentido de si mesmo e de seu lugar no mundo. Esse processo, muitas vezes tumultuado, pode levar a conflitos com figuras de autoridade, como pais e professores. No entanto, esses conflitos são parte integrante do desenvolvimento e devem ser encarados com compreensão e paciência. Por exemplo, um aluno que questiona constantemente as regras da escola ou desafia o professor em sala de aula pode estar, na verdade, tentando afirmar sua autonomia ou buscando um sentido de pertencimento. Em vez de ver esse comportamento como pura insubordinação, é essencial que tentemos entender o que está por trás dessa atitude.
Uma abordagem prática para lidar com essas situações é a aplicação de técnicas de comunicação não-violenta, como proposta por Marshall Rosenberg. Quando um aluno interrompe a aula de forma constante, em vez de reagir com punições imediatas, podemos utilizar uma abordagem mais investigativa e empática. Perguntar ao aluno o que o levou a agir dessa maneira, sem julgamento, pode revelar sentimentos de frustração ou ansiedade. Um diálogo do tipo: “Percebi que você tem interrompido a aula com frequência. Há algo que você gostaria de compartilhar?” abre espaço para que o aluno expresse suas preocupações, permitindo que a situação seja resolvida de forma colaborativa. Outro exemplo pode ser a resistência de um grupo de alunos a participar de atividades em grupo. Muitas vezes, essa resistência pode estar ligada ao medo de exposição ou à falta de confiança nas próprias habilidades. Nesses casos, o professor pode incentivar a participação progressiva, oferecendo apoio e destacando os pontos fortes de cada aluno, de modo a construir um ambiente de segurança e respeito.
Além das abordagens comunicativas, incorporar reflexões filosóficas nas discussões em sala de aula pode ser uma maneira poderosa de ajudar os adolescentes a se conectarem com suas próprias experiências. Ao discutir temas como justiça, liberdade e responsabilidade, podemos convidar os alunos a refletirem sobre suas ações e escolhas em um contexto mais amplo. Por exemplo, ao explorar o conceito de liberdade em aula, podemos relacionar essa ideia ao comportamento dos alunos na escola. Discussões sobre liberdade podem incluir perguntas como: “Até que ponto somos livres para fazer o que queremos na escola?” ou “Como nossa liberdade impacta a liberdade dos outros?”. Esse tipo de reflexão ajuda os alunos a entenderem que suas ações têm consequências e que a verdadeira liberdade está associada à responsabilidade.
Criar um ambiente seguro e acolhedor é fundamental para que os alunos se sintam à vontade para expressar suas emoções e enfrentar seus desafios. Segundo Paulo Freire, a educação deve ser emancipadora e construída a partir do diálogo. Isso significa que a sala de aula deve ser um espaço onde todos os alunos se sintam ouvidos e respeitados, independentemente de suas dificuldades ou comportamentos. Uma prática eficaz para promover esse ambiente é a realização de rodas de conversa regulares, onde os alunos têm a oportunidade de compartilhar suas experiências e sentimentos em um espaço seguro e sem julgamentos. Esses momentos permitem que os adolescentes reconheçam que não estão sozinhos em suas lutas e que seus colegas também enfrentam desafios semelhantes.
Além disso, o estabelecimento de normas de convivência construídas coletivamente pode ajudar os alunos a se sentirem mais responsáveis pelo ambiente escolar. Quando as regras são impostas de cima para baixo, a tendência é que sejam vistas como autoritárias. No entanto, quando os alunos participam da criação dessas regras, elas se tornam parte de um contrato social que todos se comprometem a respeitar. Outro aspecto crucial é o apoio emocional. Muitas vezes, os comportamentos desafiadores na escola são sintomas de questões mais profundas, como problemas familiares, baixa autoestima ou dificuldades de socialização. Por isso, é importante que a escola ofereça suporte adequado, seja por meio de orientadores educacionais, psicólogos escolares, ou até mesmo programas de mentoria.
Uma solução prática é a criação de parcerias com profissionais de saúde mental para a realização de oficinas ou palestras voltadas para o desenvolvimento emocional dos alunos. Essas iniciativas podem abordar temas como autoestima, gestão de conflitos e resiliência, oferecendo aos alunos ferramentas práticas para lidar com seus desafios cotidianos. O ambiente escolar deve ser um reflexo dos valores que desejamos cultivar na sociedade. Segundo Paulo Freire, a educação é um ato político e, como tal, deve ser emancipadora. Ao promover o respeito mútuo e a solidariedade, estamos não apenas contribuindo para a formação de indivíduos éticos, mas também para a construção de uma sociedade mais justa.
Por exemplo, atividades que incentivem o trabalho em equipe e o respeito às diferenças, como projetos interdisciplinares ou trabalhos comunitários, ajudam os alunos a desenvolverem empatia e a perceberem a importância da cooperação. Incentivar o diálogo e a resolução pacífica de conflitos também é uma prática que pode ser incorporada nas dinâmicas escolares, reforçando o valor do respeito e da solidariedade. A adolescência é, sem dúvida, um período desafiador, tanto para os jovens quanto para os adultos que os cercam. No entanto, ao adotar uma perspectiva filosófica e humanista, podemos transformar esses desafios em oportunidades de crescimento e aprendizado mútuo. O diálogo aberto, a empatia e o respeito à individualidade são fundamentais para ajudar nossos alunos a navegarem por essa fase complexa e emergirem como adultos conscientes e responsáveis.
Como educadores, devemos lembrar que estamos não apenas ensinando conteúdos acadêmicos, mas também contribuindo para a formação de seres humanos capazes de pensar criticamente e agir com ética. Ao aplicar soluções práticas, como a comunicação não-violenta, a criação de ambientes acolhedores e o apoio emocional, temos a oportunidade de realmente fazer a diferença na vida de nossos alunos e, por extensão, no mundo em que vivemos.
** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
