Nossas esquerdas

Ficou bem clara a consolidação de uma certa direita mais moderada nas eleições municipais de 2024, em muitos casos com inflexões para o centro

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em 25 de out de 2024, às 09h59

Foto: Divulgação | TSE
Foto: Divulgação | TSE

Por João Gualberto

Ficou bem clara a consolidação de uma certa direita mais moderada nas eleições municipais de 2024, em muitos casos com inflexões para o centro. Podemos citar, por exemplo, o PSD do prefeito reeleito em primeiro turno no Rio de Janeiro, Eduardo Paes. O partido é dirigido nacionalmente pelo astuto Gilberto Kassab, outro grande vencedor no processo deste ano, pela enorme quantidade de prefeituras que foram conquistadas.

Kassab aparece agora como o ponto de referência política mais sólido no governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, e certamente um dos articuladores mais importantes na construção de uma provável candidatura do republicano à presidência da república. Aliás, os republicanos viram crescer sua base de apoio ao governo estadual e também no quadro partidário nacional. Enfim, os partidos de centro-direita saíram fortalecidos no seu processo de construção de uma candidatura nacional para as eleições de 2026.

O PP e o União Brasil também viram crescer suas bases de apoio e o número de prefeituras que governam em todo o Brasil, sobretudo em localidades onde se concentram suas bolhas de eleitores, como no agronegócio. O PT, a maior sigla da esquerda brasileira, também teve o número de prefeituras aumentado, mas viu crescerem e se consolidarem a direita e o centrão. Merece atenção, sobretudo, a inexistência de uma nova geração de líderes em meio ao que poderíamos chamar de esgotamento do ciclo político de Lula em seu partido.

Entretanto, mesmo diante dessa constatação, fica claro que o Partido dos Trabalhadores vem enfrentando dificuldades em se conectar com novas demandas do eleitorado. As mudanças ocorridas no mundo em que vivemos, seguramente, não estão vinculadas ao discurso das reivindicações trabalhistas que tanto marcaram a trajetória da sigla.

Quem faz uma importante análise desse universo político contemporâneo é o sociólogo Jailson de Souza e Silva, em particular em Bruxas & Bruxos da Cidade: personagens da revolução do contemporâneo. O autor analisa, nessa obra, o modo como a sociedade atual constrói o lugar dos novos atores e as suas expectativas.

Temos nesse novo universo a potência, por exemplo, que as questões raciais adquiriram no mundo contemporâneo. Desde o início desses movimentos, de forma mais orgânica e organizada, no fim dos anos 1960 – com a presença simbólica de líderes mundiais como Martin Luther King Junior – até os dias de hoje, muitas lutas e vitórias foram conquistadas. Por mais que ainda estejamos em um mundo desigual e fortemente marcado pela presença de um desejo de supremacismo branco, o fato é que muita coisa mudou.

O mesmo podemos dizer da condição feminina, já que também vimos crescer o patamar de reivindicação das mulheres, assim como de suas grandes conquistas nos últimos 50 anos. Muitos outros movimentos também cresceram ultimamente, como os ligados ao universo LGBTQIAPN+ e aos povos originários. Deve-se ponderar, contudo, que a forma de esses movimentos se organizarem não os enquadra nos partidos políticos tradicionais e muito menos em reivindicações trabalhistas.

Não estou querendo negar que os partidos nascidos nas matrizes mais racionais, econômicas e até mesmo conservadoras, em termos de comportamento, desempenharam importante papel na trajetória histórica dessas lutas, e nem é disso que estou falando. O que me parece evidente é que esses novos atores e suas demandas contemporâneas precisam de novos abrigos institucionais e partidários. É justamente aí que entram os raciocínios políticos que sinalizam para a necessidade da construção de uma esquerda renovada no Brasil.

A direita está conseguindo consolidar sua posição no cenário nacional, e é bom que as pessoas que concordam com essas ideias tenham sua representação. Só não podemos correr o risco de viver num país em que a direita domine tudo, pois essa situação poderia rapidamente se transformar em uma tirania. Toda tendência que opera sozinha no espaço político caminha para asfixiar seus opositores. Já vimos isso acontecer à direita e à esquerda nos últimos tempos, da Alemanha Nazista à União Soviética.

Por todas essas razões que elencamos, ainda que rapidamente, concluímos que a esquerda brasileira precisa sair do lugar de representação política em que hoje se encontra. Os velhos partidos precisam dar passagem para os novos personagens do campo da política e os novos atores do mundo contemporâneo precisam estar representados à altura de sua importância.

** João Gualberto é pesquisador e professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA), e já foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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