Janeiro Branco: filosofia, psicanálise e cuidado
Que o Janeiro Branco nos inspire a cultivar o cuidado com a saúde mental como um compromisso contínuo, não apenas em janeiro, mas ao longo de todo o ano
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em 14 de jan de 2025, às 15h01
Por Eduardo Machado
Janeiro, o primeiro mês do ano, carrega em si um simbolismo poderoso. É o momento em que muitos de nós revisitamos nossas escolhas, reavaliamos nossos planos e visualizamos as possibilidades que o futuro pode oferecer. Não por acaso, Janeiro Branco emerge como uma campanha de conscientização que nos convida a olhar para dentro, a cultivar a saúde mental como prioridade e a nos permitir um cuidado genuíno com o que somos e sentimos. Nessa jornada de introspecção, a filosofia e a psicanálise oferecem caminhos singulares, cada uma explorando, a seu modo, a profundidade da condição humana.
A filosofia, com sua sede por sabedoria, nos convida a refletir sobre o sentido da vida e a responsabilidade de viver de forma autêntica. Quando Sócrates afirma que “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”, ele nos desafia a não apenas existir, mas a viver de forma consciente e plena. Essa busca por compreensão, no entanto, não é isenta de dor. Encarar as perguntas mais íntimas — “O que me move?”, “O que me afasta de mim mesmo?” — pode ser desconfortável, mas também libertador. É nesse exame que encontramos o terreno fértil para o autoconhecimento e o crescimento.
Enquanto a filosofia nos guia pelo caminho da reflexão racional, a psicanálise nos leva a explorar o vasto território do inconsciente. Freud nos mostrou que há uma parte de nós que desconhecemos, repleta de desejos reprimidos, medos ocultos e traumas não elaborados. Ignorar essa dimensão é como viver apenas à luz do dia, sem perceber que a noite também tem seu brilho e mistério. O trabalho psicanalítico é um convite a iluminar essas áreas sombrias, a escutar o que nos angustia e a compreender que as dores não resolvidas do passado podem influenciar nossas escolhas e emoções no presente.
O que une a filosofia e a psicanálise, especialmente no contexto da saúde mental, é o poder da escuta. A filosofia escuta o mundo e suas contradições; a psicanálise escuta as histórias silenciosas que habitam o indivíduo. Ambas nos ensinam que ouvir é mais do que captar palavras; é abrir-se à complexidade do outro — e de nós mesmos. No ritmo frenético da vida contemporânea, parar para escutar o que sentimos, pensar e temer é um ato de resistência e cuidado.
Janeiro Branco é, acima de tudo, um chamado para essa pausa reflexiva. Vivemos em uma sociedade que exalta a produtividade, que nos faz acreditar que o valor de uma pessoa está no que ela faz e não em quem ela é. Esse paradigma, profundamente desumanizador, negligencia a necessidade de cultivar nossa saúde mental e emocional. A ansiedade crescente, o estresse crônico e o isolamento emocional não são apenas questões individuais; são sintomas de um sistema que precisa ser questionado e transformado.
Para educadores, essa realidade se apresenta de maneira ainda mais intensa. O ambiente escolar, repleto de pressões, expectativas e responsabilidades, é frequentemente palco de desgaste emocional para professores e estudantes. Como professores, temos a responsabilidade de reconhecer que o cuidado com a saúde mental começa em nós mesmos. Precisamos estar atentos às nossas limitações, escutar nossos próprios sinais de cansaço e buscar ajuda quando necessário. Ignorar isso é perpetuar uma cultura de exaustão que não beneficia ninguém.
Ao mesmo tempo, temos um papel fundamental no acolhimento dos estudantes. A escola não é apenas um espaço de aprendizado acadêmico, mas também de desenvolvimento emocional. Muitos jovens enfrentam conflitos internos, medos e inseguranças que não têm onde expressar. Criar um ambiente de escuta ativa, onde eles se sintam vistos e valorizados, é essencial para promover o bem-estar emocional e prevenir sofrimentos maiores.
Esse acolhimento, no entanto, exige preparo. Não basta ouvir; é preciso escutar com empatia e sem julgamento. É necessário evitar minimizar as dores dos estudantes ou projetar neles nossas próprias frustrações. Um professor despreparado pode, sem perceber, reforçar estigmas ou perpetuar preconceitos que aprofundam o sofrimento dos alunos. Por outro lado, um educador atento, que valoriza o diálogo e a compreensão, pode transformar vidas, ajudando os jovens a enxergarem suas próprias potencialidades e caminhos.
A filosofia e a psicanálise, nesse sentido, oferecem ferramentas valiosas. A filosofia nos ensina a fazer perguntas que expandem horizontes; a psicanálise nos mostra como acolher o que emerge dessas perguntas. Juntas, elas nos convidam a ser mais humanos, mais atentos às nossas vulnerabilidades e às dos outros.
Que o Janeiro Branco nos inspire a cultivar o cuidado com a saúde mental como um compromisso contínuo, não apenas em janeiro, mas ao longo de todo o ano. Que possamos, como professores, pais, amigos e seres humanos, criar espaços de escuta, compreensão e acolhimento. E que, ao cuidar de nós mesmos, tenhamos a coragem de olhar para dentro, enfrentando nossas dores com a mesma dedicação com que buscamos iluminar as vidas ao nosso redor. Porque, no fim, cuidar de nossa mente é também cuidar da nossa capacidade de amar, ensinar e transformar.
** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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