A educação de jovens e adultos
Alguns caminhos da vida não se percorrem no tempo esperado. Muitos brasileiros, por diferentes motivos, precisaram interromper seus estudos
4 mins de leitura
em 07 de maio de 2025, às 10h05

Por Eduardo Machado
Alguns caminhos da vida não se percorrem no tempo esperado. Muitos brasileiros, por diferentes motivos, precisaram interromper seus estudos: a necessidade de trabalhar desde cedo, a falta de acesso à escola, a gravidez na adolescência, o deslocamento forçado, a violência, o abandono, a pobreza. Mas há em muitos corações um desejo que resiste ao tempo: o de aprender. E é para essas pessoas que a Educação de Jovens e Adultos, a EJA, se apresenta não como um retorno ao passado, mas como a abertura de novos futuros.
A EJA é, antes de tudo, uma política de reparação. Ela reconhece que o direito à educação não pode ser vencido pelo tempo e que aprender é um processo contínuo da vida. Em um país marcado por profundas desigualdades, garantir esse direito é um gesto de justiça social. Mas é também um gesto de esperança. A EJA acolhe vidas interrompidas, projetos suspensos, sonhos adiados — e os devolve ao lugar da possibilidade.
Numa sala de aula da EJA, encontramos o Brasil profundo: mães solo que querem acompanhar a lição de casa dos filhos, trabalhadores que precisam de um diploma para melhorar de cargo, idosos que sempre sonharam em escrever uma carta, jovens em situação de vulnerabilidade tentando reencontrar um propósito. São histórias que, quando reconhecidas, se tornam força de transformação. E é isso que torna a EJA um dos espaços mais bonitos da educação pública brasileira.
Histórias que inspiram
Dona Célia tem 68 anos. Entrou na sala de aula tímida, dizendo que queria aprender a assinar o nome. Um ano depois, lia pequenos textos e escrevia bilhetes para os netos. João, 36, catador de recicláveis, concluiu o ensino fundamental e hoje está no ensino médio, estudando à noite, depois de um dia inteiro de trabalho. Sua meta é prestar concurso público. Ana, 17, largou a escola após a gravidez. Agora, com apoio da avó que cuida do bebê durante as aulas, voltou a estudar. Quer ser técnica de enfermagem.
Essas não são exceções. São representações de um Brasil que, mesmo diante das dificuldades, insiste. Um Brasil que recusa o abandono. A educação, nesses casos, não é apenas conteúdo — é acolhimento, é reconstrução de autoestima, é reconhecimento da própria dignidade.
Desafios e permanência
Mas manter esses estudantes na escola exige compromisso. A evasão na EJA ainda é alta, impulsionada pelo cansaço após longas jornadas de trabalho, pela falta de transporte, pelo preconceito, pela baixa autoestima educacional. O tempo é escasso e a vida, dura. Por isso, práticas pedagógicas centradas na escuta ativa, no respeito ao saber de cada estudante e na valorização da experiência são fundamentais.
A escola precisa ir além do currículo rígido. É preciso dialogar com os projetos de vida de cada aluno. Trabalhar com temas geradores, com problemas reais da comunidade, com metodologias participativas. Um bom professor da EJA não ensina apenas, ele escuta, interpreta, media, acolhe. Ele sabe que seu aluno pode chegar atrasado por causa do ônibus ou faltar porque teve de cuidar dos filhos — e que isso não o torna menos comprometido, mas sim mais heróico.
Políticas públicas e o papel do Estado
Valorizar a EJA também exige políticas públicas consistentes: formação continuada de professores, merenda adequada, oferta de transporte, materiais didáticos contextualizados, suporte psicossocial. É preciso investir em campanhas de sensibilização, em parcerias com o SUS, o CRAS, o Conselho Tutelar, e em programas de incentivo à permanência, como bolsas de estudo ou creches noturnas.
O Estado tem o dever de garantir as condições para que cada estudante da EJA não apenas entre na escola — mas permaneça nela e conclua seu percurso com dignidade.
Aprender é um ato de coragem
Em tempos tão marcados pela desinformação e pela intolerância, promover o acesso à educação crítica e transformadora é um dever ético e político. A EJA nos ensina que não há tempo certo para sonhar. Que aprender, aos 18 ou aos 80, é sempre um gesto revolucionário. Que cada caderno aberto por um trabalhador é também um grito de resistência.
Manter viva e forte a Educação de Jovens e Adultos é dizer, com todas as letras, que ninguém deve ser esquecido. É acreditar que a escola pode — e deve — ser um espaço onde todas as vidas importam.
E, acima de tudo, é confiar no poder do reencontro: consigo mesmo, com o saber, com a dignidade, com o direito de ser autor de sua própria história.
** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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