Distância segura

Na fila da lotérica, uma mulher começa a chorar. Não é escândalo, apenas um pranto baixo, daqueles que escapam mesmo quando se tenta esconder

Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Pe. José Carlos Ferreira da Silva

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Na fila da lotérica, uma mulher começa a chorar. Não é escândalo, apenas um pranto baixo, daqueles que escapam mesmo quando se tenta esconder. As pessoas ao redor ajeitam os papéis nas mãos, fingem ler avisos colados na parede, consultam o celular sem necessidade. O movimento não é planejado, mas funciona como um acordo silencioso: ninguém vai perguntar nada.

Não se trata de indiferença. É medo. Aproximar-se do sofrimento do outro significa entrar em terreno incerto, abrir espaço para histórias que podem pesar mais do que se pode carregar. Quem se arrisca corre o risco de ouvir pedidos de ajuda, de ter o próprio dia alterado, de encarar dores que não têm solução rápida.

Por isso, mantém-se a distância. A mulher chora em pé, com as contas ainda na mão, e os outros esperam a senha piscar no painel para seguir adiante. O incômodo dura pouco: logo o barulho das conversas e o chamado do caixa abafam tudo.

Evitar é mais fácil. E o medo não é apenas de se envolver demais com a dor alheia, mas de encontrar nela o reflexo da própria fragilidade.

*** Pe. José Carlos Ferreira da Silva é autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral – Editora Dialética.  É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência, Cachoeiro de Itapemirim.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM