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A arte de formar cidadãos livres e conscientes

Quando pensamos em política e educação, é impossível ignorar a intrínseca relação que ambas mantêm. A política, enquanto prática de organização social

6 mins de leitura

em 10 de set de 2024, às 16h31

Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

Por Eduardo Machado

Quando pensamos em política e educação, é impossível ignorar a intrínseca relação que ambas mantêm. A política, enquanto prática de organização social, estabelece as diretrizes pelas quais uma sociedade se estrutura; a educação, por sua vez, tem o poder de moldar a consciência daqueles que participarão dessa organização. Nesse sentido, discutir a educação é, inevitavelmente, discutir a política – e vice-versa. A forma como educamos nossos jovens influencia diretamente a qualidade de nossa democracia, assim como as decisões políticas afetam o acesso e a qualidade da educação.

A relação entre essas duas esferas foi amplamente discutida pelos maiores pensadores da filosofia ocidental. Aristóteles, em sua obra “Política”, afirmava que o ser humano é um “animal político”, ou seja, sua natureza se manifesta na vida em comunidade e na participação ativa nas decisões coletivas. Para ele, a educação deveria ser o principal meio de formação ética e cívica, garantindo que o indivíduo não apenas compreenda suas obrigações como cidadão, mas também atue para o bem comum. A verdadeira educação, portanto, não pode se restringir a formar trabalhadores produtivos ou a simplesmente transmitir conhecimentos técnicos – ela deve preparar cidadãos para a vida pública, para a deliberação e para o exercício da liberdade.

Jean-Jacques Rousseau, em “Emílio ou Da Educação”, reforça essa ideia ao afirmar que a educação é o meio pelo qual o ser humano pode desenvolver plenamente sua liberdade. Rousseau, preocupado com a alienação causada pelas instituições políticas, acreditava que a educação deveria ensinar a criança a ser autônoma, a pensar por si mesma e a agir de acordo com os princípios da razão e da justiça. O Estado tem, portanto, um papel crucial em assegurar que o processo educativo não crie meros seguidores de regras, mas indivíduos críticos, que compreendam as estruturas de poder e saibam como questioná-las quando necessário.

Em tempos de profundas divisões políticas, a educação se torna uma ferramenta ainda mais poderosa – e necessária – para a preservação da democracia. O filósofo americano John Dewey, um dos grandes defensores da educação democrática, argumentava que uma sociedade só pode se manter verdadeiramente democrática se a educação preparar os indivíduos para o debate, o diálogo e a reflexão crítica. Sem isso, a política se reduz a um espetáculo de manipulação, onde poucos decidem por muitos. Dewey enxergava a sala de aula como um microcosmo da sociedade democrática: um espaço de experimentação, discussão e aprendizado mútuo. Quando falamos de educação hoje, devemos nos lembrar de sua visão: educar é formar cidadãos livres, capazes de participar ativamente da vida política, e não apenas obedecer ordens ou aceitar passivamente as decisões impostas.

Contudo, essa missão de preparar cidadãos politicamente engajados encontra muitos desafios. Um dos principais obstáculos é o próprio uso político da educação. Em regimes autoritários ou de viés totalitário, a educação muitas vezes é manipulada para perpetuar a dominação, criando uma sociedade conformada e obediente, em vez de crítica e participativa. O filósofo Michel Foucault, em suas análises sobre poder e conhecimento, nos alerta sobre como as instituições educacionais podem servir como mecanismos de controle social, moldando o pensamento dos indivíduos de acordo com os interesses dominantes. Nesse sentido, é fundamental que a educação seja pensada como um espaço de liberdade e não de doutrinação. O papel do educador, portanto, não é ditar o que seus alunos devem pensar, mas ensinar-lhes como pensar, para que possam fazer suas próprias escolhas de forma consciente e responsável.

A liberdade, que é o eixo central tanto da política quanto da educação, exige responsabilidade. O filósofo Immanuel Kant, em sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, nos lembra que ser livre não é fazer o que se quer, mas agir de acordo com a razão, respeitando os direitos e a dignidade dos outros. Na educação, isso significa preparar os jovens para que possam entender as consequências de suas escolhas e para que saibam equilibrar seus desejos pessoais com os deveres que têm para com a sociedade. Essa ideia de liberdade responsável é crucial em tempos de polarização, onde o debate político muitas vezes degenera em ataques e desinformação. A educação tem o poder de reverter esse quadro, ensinando o valor do diálogo, da escuta atenta e do respeito às diferenças.

Além disso, o educador deve estar consciente do ambiente político em que atua. Como nos lembra Hannah Arendt, em sua obra “A Condição Humana”, a política é o espaço da ação e da pluralidade, onde os seres humanos se revelam uns aos outros em sua singularidade. Se a educação visa preparar para a vida política, ela deve valorizar essa pluralidade, estimulando o respeito às diferentes perspectivas e a capacidade de conviver com o contraditório. A escola, portanto, deve ser um local onde as diversas vozes possam se expressar, onde o debate seja incentivado e onde o aluno aprenda a questionar, sem medo de ser silenciado.

É importante ressaltar que a educação política não significa partidarismo ou imposição de ideologias. Ela deve, antes de tudo, promover a consciência crítica, o pensamento independente e a capacidade de analisar os problemas sociais com profundidade. O filósofo brasileiro Paulo Freire é um exemplo de como é possível trabalhar a política na educação sem transformar a escola em um palco de militância. Freire defendia uma educação libertadora, que capacitasse o indivíduo a compreender as injustiças do mundo, a reconhecer sua própria capacidade de agir e a transformar a realidade em direção a uma sociedade mais justa e igualitária.

Por fim, quando refletimos sobre a relação entre política e educação, devemos lembrar que o objetivo final de ambos os campos é a promoção da liberdade. Uma educação que não forma para a liberdade – seja ela de pensamento, de ação ou de expressão – é uma educação incompleta. Da mesma forma, uma política que não garante o direito à educação está condenando seus cidadãos à servidão intelectual. Portanto, cabe a nós, enquanto educadores, políticos e cidadãos, garantir que o processo educativo esteja sempre voltado para o fortalecimento da democracia, da justiça e da liberdade, para que possamos, de fato, construir uma sociedade de indivíduos críticos, conscientes e livres.

Assim, ao compreendermos o valor da educação enquanto prática política, podemos agir no presente para moldar o futuro que desejamos: uma sociedade que valorize a autonomia, o respeito mútuo e a capacidade de cada indivíduo de participar ativamente na construção de seu próprio destino.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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