A hora dos predadores
Neste trabalho mais recente, ele expande a sua reflexão sobre o novo cenário político global e explora a convergência inquietante entre tecnologia, guerra e poder.

Por João Gualberto
Receba as principais notícias no seu WhatsApp! clique aquiEm seu novo livro publicado em 2025, título do presente artigo, Giuliano Da Empoli dá continuidade à análise iniciada em outra obra sua de enorme sucesso mundial, Os Engenheiros do Caos. Neste trabalho mais recente, ele expande a sua reflexão sobre o novo cenário político global e explora a convergência inquietante entre tecnologia, guerra e poder.
Como bem registra o livro em sua contracapa, as democracias ocidentais foram seduzidas pelo que ele chama de oligarquias tecnológicas e autocratas carismáticos, que, de fato, as conduzem através do imenso poder das redes sociais. Ele vê tudo isso como uma enorme ameaça ao ambiente democrático e plural, com a construção de uma nova camada de oligarcas mundiais que detêm o controle da comunicação digital e que hoje tendem a governar o mundo. Um grupo extremamente reduzido para governar um universo de produção de riquezas e poder cada vez mais amplo.
Em uma narrativa clara e bem construída – o livro é muito bem escrito, aproxima-se de um ensaio de corte histórico e filosófico – Da Empoli expõe como o uso da inteligência artificial, associada a ciberataques, manipulação de dados e guerra de narrativas está redesenhando os campos de batalha do século XXI. A força volta a prevalecer sobre o diálogo e a diplomacia. Para ele, o atual momento, a hora dos predadores, é, no fundo, um retorno à normalidade. Anomalia teria sido o breve período em que se acreditou no ocidente, em ser possível domar a busca sangrenta pelo poder por meio de um sistema de regras.
Para o autor, todo o campo diplomático construído no século XXI, em especial depois da segunda grande guerra mundial, está perdendo espaço para personagens autoritários como Donald Trump, Nayib Bukele ou mesmo Jair Bolsonaro. Mais do que isso, esses personagens, em suas trajetórias tirânicas, estão usando sem qualquer princípio ético ou compromisso com a verdade as redes socais, agora potencializadas pela nova versão da Inteligência Artificial. O que dá densidade a tudo isso é o fato de o novo presidente dos EUA ter assumido um cortejo heterogêneo de autocratas sem escrúpulos, conquistadores de tecnologia, reacionários e conspiradores sempre ávidos por confrontos.
O objetivo que me parece mais importante em A Hora dos Predadores é o de mostrar que existe uma nova elite dirigente mundial dividida em dois segmentos importantes: os tiranos políticos e os gestores das grandes corporações mundiais como a Meta, dona do Whatsapp, do Intagram e do Facebook. Os dados que o autor apresenta nos convencem facilmente de que isso é verdade.
O que Da Empoli nos mostra é que, enquanto as competições políticas ocorriam no mundo real, nas praças públicas e nos meios de comunicação tradicionais, os costumes e as regras de cada país determinavam seus limites. Quando o debate público se transferiu para o ambiente digital, transformou-se numa espécie vale-tudo onde as únicas regras são as das plataformas utilizadas. Para ele, o destino das democracias ocidentais será cada vez mais decidido em uma espécie de Somália digital, uma escala planetária submetida às leis dos senhores das guerras digitais e de suas grandes milícias.
Trazendo essas reflexões para o que assistimos no Brasil a partir das eleições de 2018, percebemos que, de fato, a política migrou para as redes sociais. Nesse ambiente é que se formaram as opiniões e ideologias, o apoio às diferentes propostas de poder, sempre em clima de enfrentamento e guerra cultural. Mesmo que essa guerra venha a nos cansar definitivamente, os donos das máquinas lutarão até o fim pela manutenção do poder.
O enfrentamento recente do governo Trump com o STF brasileiro contém os elementos dessa disputa. Os novos oligarcas digitais não querem ter disciplinas nacionais, querem antes estar acima das leis de cada país, querem ditar as novas regras do jogo e querem, sobretudo, lucrar muito. Não por acaso estavam todos presentes na posse desse novo senhor do mundo e apoiam-se mutuamente de forma clara e transparente. Elon Musk chegou mesmo a ocupar um lugar claro de poder na estrutura estadunidense de governo. Dentro ou fora do governo o seu poder é imenso, e representa apenas uma amostra do que está acontecendo no mundo atualmente.
*** João Gualberto é pesquisador e professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA), e já foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018.
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