A necessidade da adaptação curricular

Por muito tempo, a escola foi pensada como um espaço onde os alunos deveriam se adaptar a ela. Quem não se encaixava nos moldes

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em 22 de maio de 2025, às 15h35

Foto: Ilustrativa/Pixabay
Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Eduardo Machado

Por muito tempo, a escola foi pensada como um espaço onde os alunos deveriam se adaptar a ela. Quem não se encaixava nos moldes — fosse por dificuldades cognitivas, emocionais, físicas, sensoriais ou socioeconômicas — acabava ficando à margem, silenciado ou, muitas vezes, excluído. Mas a educação do nosso tempo não pode mais aceitar essa lógica. Se a escola é para todos, então ela precisa, sim, se adaptar para todos. A adaptação curricular não é um favor. É um direito. É um princípio ético, legal e pedagógico que reconhece que os estudantes são diferentes — e que essa diferença não é um problema a ser corrigido, mas uma riqueza a ser acolhida. Mais do que uma prática burocrática, adaptar o currículo é um ato de cuidado, de respeito e de justiça.

Nenhuma criança, nenhum jovem e nenhum adulto aprende do mesmo jeito, no mesmo tempo e pelas mesmas vias. Isso é uma verdade universal, e não se restringe às pessoas com deficiência. Há quem aprenda ouvindo, quem prefira ver, quem precise fazer. Há quem precise de mais tempo, de mais repetições, de outro tipo de mediação. Há quem traga barreiras internas, e quem enfrente barreiras sociais, culturais, econômicas e linguísticas. Diante disso, o currículo — entendido não como uma lista de conteúdos, mas como uma proposta de formação integral — não pode ser uma camisa de força. Ele precisa ser flexível, sensível e plural.

Quando a escola oferece uma proposta curricular ajustada às necessidades dos seus alunos, ela envia uma mensagem poderosa: “Você pertence a este lugar. Este espaço é seu também.” E isso muda tudo. Porque ninguém aprende onde não se sente pertencente, onde se sente invisível ou inadequado. Adaptação curricular não significa diminuir a exigência ou facilitar demais. Significa construir caminhos possíveis para que cada aluno avance, considerando suas potências e seus desafios. Trata-se de olhar para o que é essencial na aprendizagem, de priorizar competências, de ajustar percursos, recursos e formas de avaliar.

É impossível não lembrar de Bruno, estudante autista, que enfrentava bloqueios intensos para produzir textos. As redações tradicionais, com temas abstratos e formatos rígidos, pareciam muros intransponíveis. Mas quando recebeu um material adaptado — com mapas mentais, modelos estruturados, checklists e repertórios prontos — não só conseguiu escrever, como descobriu prazer no processo. O problema nunca foi ele. O problema era a falta de uma ponte. E quantos outros “Brunos” existem nas escolas, esperando por uma ponte que os alcance?

Adaptar currículo é uma tarefa que exige sensibilidade e compromisso de toda a comunidade escolar. Significa reformular atividades, oferecer diferentes meios de acesso, ajustar critérios de avaliação, organizar roteiros de estudos, propor alternativas para provas e trabalhos, usar tecnologias assistivas e trabalhar a cooperação entre os próprios estudantes. É, acima de tudo, entender que equidade não é tratar todos de forma igual, mas dar a cada um aquilo de que precisa para se desenvolver.

Infelizmente, ainda há quem resista. Muitos confundem adaptação com “passar a mão na cabeça”. Outros alegam falta de tempo, de formação ou de recursos. Mas é preciso ter clareza: negar-se a adaptar não é uma escolha neutra — é uma forma de exclusão. Se a escola não se adapta, quem é forçado a se adaptar, e a sofrer, são os estudantes.

Fazer uma escola que se adapta é uma escolha ética. É reconhecer que o currículo serve às pessoas, e não o contrário. É entender que uma educação que não acolhe as diferenças não é, de fato, uma educação. Quando a escola assume esse compromisso, ela deixa de ser um espaço que mede quem se encaixa — e se torna um espaço que transforma vidas. Porque toda vez que um estudante é visto, ouvido e respeitado em sua singularidade, o que se aprende vai muito além do conteúdo: aprende-se que, no mundo, há lugar para todos.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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