A profundidade de educar
Ser professor é habitar o terreno entre o que o aluno é hoje e o que ele pode vir a ser amanhã. É, antes de mais nada, um ato de coragem, de paciência e de fé
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em 15 de out de 2024, às 15h24
Por Eduardo Machado
Ser professor é habitar o terreno entre o que o aluno é hoje e o que ele pode vir a ser amanhã. É, antes de mais nada, um ato de coragem, de paciência e de fé. Educar vai muito além de ensinar fórmulas ou conceitos. Educar é olhar para o outro com respeito pela sua humanidade e potencial, é acolher suas dúvidas, suas fragilidades, e caminhar junto com ele na descoberta de si mesmo e do mundo. No Dia dos Professores, é essencial refletirmos sobre o verdadeiro sentido dessa profissão: não a de meros repassadores de conteúdos, mas a de transformadores de vidas.
A diferença entre educar e escolarizar está na profundidade do impacto. A escolarização muitas vezes se limita a processos mecânicos: cumprir um currículo, preparar para provas, seguir padrões. É um processo que se preocupa com resultados tangíveis e imediatos. Educar, no entanto, é bem mais desafiador. Educar envolve tocar o outro, transformar sua maneira de enxergar o mundo e, principalmente, ajudá-lo a encontrar o seu lugar nele. O verdadeiro professor é aquele que vai além do conteúdo. Ele se torna uma presença na vida do estudante, alguém que desperta inquietações, promove reflexões e, sobretudo, dá coragem para que o aluno ouse ser ele mesmo.
Nessa missão, há um campo de batalhas silenciosas que o professor precisa enfrentar diariamente. A falta de valorização, a burocratização excessiva do ensino, as condições de trabalho precárias, e a pressão por resultados rápidos são desafios que podem ofuscar a beleza do ato de educar. Muitas vezes, a prática cotidiana nos leva a questionar se estamos realmente conseguindo alcançar nossos alunos de forma significativa ou se nos perdemos nas exigências do sistema. Superar essas barreiras exige um esforço contínuo de lembrar o porquê de termos escolhido essa jornada: não para formar máquinas produtivas, mas para nutrir seres humanos completos, conscientes e capazes de sonhar.
A escola, muitas vezes, tenta moldar o aluno para que ele se adeque a uma estrutura que privilegia o desempenho mensurável. No entanto, o professor que se compromete verdadeiramente com a educação é aquele que se recusa a aceitar essas limitações. Ele sabe que o papel da educação não é apenas formar indivíduos que se encaixem, mas que questionem, que inovem e que, acima de tudo, não tenham medo de seguir seus próprios caminhos. Numa sociedade que insiste em colocar todos dentro de caixas, o professor deve ser aquele que oferece asas. Asas para sonhar, para se expressar, para criar. E essa é uma das maiores responsabilidades da nossa profissão: não limitar, mas libertar.
Educar é um processo que exige aperfeiçoamento constante. Não apenas dos métodos de ensino, mas, principalmente, da nossa capacidade de ouvir. Muitas vezes, o sistema de ensino nos empurra para falar, falar e falar, sem deixar espaço para que o aluno possa realmente expressar suas inquietações. No entanto, o verdadeiro educador é aquele que sabe escutar. Ouvir as dúvidas, os medos e os sonhos que nem sempre são verbalizados, mas que se manifestam de maneira sutil. Ao ouvir com atenção, o professor passa a ser mais do que um transmissor de saberes; ele se torna um cúmplice dos projetos de vida de seus alunos.
É nesse espaço de escuta que o professor pode fazer a diferença. Ajudar o estudante a compreender que seus sonhos são válidos, que seus projetos de vida importam, e que, mesmo diante dos obstáculos, ele tem a capacidade de superá-los. Muitas vezes, o estudante encontra no professor a única voz que acredita nele. Essa é a verdadeira transformação que a educação pode gerar: o despertar de uma confiança que impulsiona o jovem a seguir seus próprios caminhos, sem medo de errar.
Entretanto, precisamos reconhecer que o sistema educacional muitas vezes trabalha contra essa transformação. A busca por resultados rápidos, a padronização do ensino e a falta de tempo para um acompanhamento mais humanizado são problemas que precisam ser superados. É necessário que a educação passe por um processo de renovação, onde o foco deixe de ser o “preparar para o mercado” e passe a ser o “preparar para a vida”. Isso implica uma mudança de paradigma, onde o estudante é visto não como uma cifra ou uma nota, mas como um ser em constante construção, cheio de potencial e dignidade.
Nesse sentido, o papel do professor é não apenas resistir às pressões do sistema, mas também trabalhar para aprimorá-lo. Precisamos de educadores que lutem por um ensino mais humano, que reivindiquem espaços para a escuta, para a experimentação, e para o diálogo. É necessário que a educação seja um processo vivo, adaptável, que leve em consideração as necessidades e os sonhos de cada aluno, e que, acima de tudo, respeite sua individualidade.
No fundo, educar é acreditar na humanidade. É acreditar que, por meio do conhecimento, da reflexão e do diálogo, podemos formar pessoas mais empáticas, mais críticas e mais justas. Não há nada mais poético e profundo do que ver um estudante perceber o mundo de forma diferente, tomar consciência de seu papel e se sentir capaz de transformar a sua realidade. Isso é o que a educação deveria buscar sempre: não apenas a formação de cidadãos capazes de seguir regras, mas de seres humanos prontos para reinventá-las quando necessário.
Neste Dia dos Professores, é fundamental que celebremos não apenas o papel de quem ensina, mas, principalmente, o impacto que temos na vida de nossos alunos. Que possamos nos lembrar da nobreza de nossa missão e da responsabilidade que carregamos em nossas mãos. Porque, ao educar, estamos construindo o futuro. E cada palavra, cada gesto de incentivo, cada olhar de apoio é uma semente que, um dia, florescerá em formas que nem sempre podemos prever. Educar é, afinal, um ato de esperança e de profunda confiança no ser humano. Que continuemos a fazer essa diferença.
** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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