A Superintendência que superintende a quem?

As Superintendências Regionais de Ensino (SREs), que deveriam ser a ponte entre as escolas e a Secretaria de Educação, muitas vezes operam como núcleos de favorecimento pessoal

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em 28 de fev de 2025, às 10h21

Foto: Ilustrativa/Pixabay
Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Eduardo Machado

A escola pública deveria ser um espaço de desenvolvimento e oportunidades, onde alunos encontrassem amparo para crescer e professores pudessem exercer sua vocação com dignidade. Mas, na prática, a educação tem sido submetida a uma engrenagem burocrática que, em vez de facilitar e fortalecer o ensino, o emperra e o sabota. As Superintendências Regionais de Ensino (SREs), que deveriam ser a ponte entre as escolas e a Secretaria de Educação, muitas vezes operam como núcleos de favorecimento pessoal, onde a lógica da competência e da ética dá lugar à política de conveniências.

Ao invés de estarem comprometidas com o avanço da qualidade educacional, essas instâncias se transformam em redutos de apadrinhamento, protegendo gestões ineficazes e assegurando que aqueles que questionam as irregularidades sejam marginalizados. Professor algum deveria temer retaliações por denunciar injustiças ou propor melhorias. No entanto, a realidade é cruel: a docência, especialmente para os temporários, se tornou uma roleta russa, onde o profissional nunca sabe quando será descartado ou boicotado por contrariar interesses.

A falta de transparência nos processos administrativos tem consequências diretas para os docentes. Há casos de professores temporários que, após denunciarem abusos ou favoritismos em seleções, viram suas pontuações misteriosamente reduzidas, suas contratações revogadas ou, pior, passaram a sofrer perseguições veladas dentro das próprias escolas. Alguns são alocados em turmas que não correspondem à sua formação, como forma de punição sutil; outros passam a ter pedidos e solicitações ignorados pela gestão, sendo tratados como elementos indesejáveis.

Ainda mais grave é a omissão dos canais oficiais de denúncia. Professores que recorrem aos meios institucionais para relatar irregularidades frequentemente se deparam com o silêncio ou, pior, com represálias. Relatos de assédio moral, desvios administrativos e negligência são encaminhados, mas poucas vezes resultam em investigações sérias. Muitas dessas denúncias acabam arquivadas sem resposta, ou são tratadas como “casos isolados”, sem qualquer providência concreta. O resultado? Um ambiente escolar tóxico, onde quem deveria ser protegido se torna alvo, e quem deveria prestar contas age com total impunidade.

O que se espera de uma superintendência? Que ela acompanhe de perto a realidade das escolas, que atue como mediadora para resolver problemas estruturais e pedagógicos, que ampare professores e alunos, garantindo que o ensino público funcione com dignidade. No entanto, o que se vê, com frequência, é um cenário de omissão e autoritarismo. Muitas dessas unidades administrativas operam como feudos, onde decisões são tomadas sem qualquer diálogo com quem realmente conhece e vivencia os desafios da sala de aula.

As consequências desse modelo de gestão são devastadoras. Professores altamente capacitados são preteridos em nome de indicações políticas, enquanto os que permanecem vivem em constante instabilidade, reféns de um sistema que os vê como descartáveis. A incerteza sobre a continuidade no cargo corrói a saúde mental dos docentes, gerando desmotivação e esgotamento. Como esperar que um professor entregue um ensino de qualidade se ele não tem garantias mínimas de permanência, se precisa lidar diariamente com jogos de poder e decisões arbitrárias?

E os alunos? São as vítimas silenciosas desse descalabro. Porque quando um professor sofre perseguição ou trabalha desmotivado, não é apenas ele que sai prejudicado, mas toda uma geração que recebe um ensino fragmentado, superficial e desprovido de compromisso real com a aprendizagem. A escola, que deveria ser um espaço de transformação, torna-se um ambiente de frustração, onde as aparências são maquiadas para atender a estatísticas e números, mas onde a essência do ensino se perde no meio de tantos interesses escusos.

O que pode ser feito? Para romper com esse ciclo vicioso, é essencial que haja absoluta transparência nos processos de escolha tanto de gestores e superintendentes quanto de assessores e cargos elevados, garantindo que a competência seja o critério principal e não os laços de conveniência. A fiscalização precisa ser rigorosa, impedindo que essas instâncias se tornem núcleos de perpetuação de favorecimentos e abuso de poder. Além disso, os professores temporários devem ter maior estabilidade, evitando que sejam tratados como peças substituíveis e sujeitos a retaliações por simplesmente cumprirem seu papel com seriedade.

A superintendência existe para garantir o bom funcionamento das escolas, mas, se ela se transforma em um obstáculo, precisa ser questionada e reformulada. Se quem deveria fiscalizar e orientar se torna cúmplice da ineficiência e da perseguição, a quem realmente esse sistema serve? Enquanto a educação continuar sendo vista como moeda de troca política e administrada por interesses pessoais, professores e alunos permanecerão reféns de um modelo falido que transforma vocações em exaustão e sonhos em desilusões. E isso não pode ser aceito como normal.

Essa coluna é direcionada ao desenvolvimento e melhoria da educação em suas diversas instâncias. Se você está passando por alguma situação de injustiça ou insegurança no seu trabalho, em qualquer escola ou no âmbito administrativo, entre em contato através do e-mail abaixo.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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