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Atacar a polarização

Antes de querer conservar o legado do passado, a extrema-direita pretende promover mudanças e retrocessos para que suas ideias prevaleçam

4 mins de leitura

em 16 de fev de 2024, às 09h32

Foto: Juca Varella/Agência Brasil

Por João Gualberto

Tenho escrito com certa frequência sobre os riscos que a extrema-direita pode causar à instável democracia em nosso país. A soberania popular e a democracia são plantinhas que devem ser regadas todo dia, e que pode correr o risco de, ao ser submetida ao sol intenso, por longo tempo, murchar. Quando escrevo, tento não confundir extrema direita com os conservadores. São personagens diferentes. Os conservadores são os que preservam tradições e são, normalmente, contra os avanços sociais. Os reacionários querem promover o retrocesso e querem eliminar os que não concordam com eles. Representam a extrema-direita.

Antes de querer conservar o legado do passado, a extrema-direita pretende promover mudanças e retrocessos para que suas ideias prevaleçam – como muito bem demonstraram os nazistas no início do nosso século. Os que promoveram o quebra-quebra em Brasília, no dia 08 de janeiro do ano passado são, certamente, extremistas. Não são a direita convencional do nosso país. Não é tradição do Brasil essa direita extremada e massificada, exceto no alinhamento que os integralistas fizeram ao nazi-fascismo nos, já distantes, anos 1930.

Por quase um século fomos um país que, mesmo durante o período do governo militar, não teve práticas políticas de massa da direita. O apoio a ideias que agora absorvemos de um internacionalismo populista como o liderado por Donald Trump é algo diferente. Produto da enorme divulgação que permitem hoje as redes sociais. No contexto histórico-político brasileiro, causa espanto, em boa parte da opinião pública, o surgimento dessa corrente que hoje amalgama o pensamento que dá, com excessiva facilidade, passagem e permissão ao ódio. De onde está surgindo esse sentimento, nos perguntamos com frequência. Proponho alguns motivos que me parecem relevantes.

O primeiro deles, nasce da forma quase agressiva com que setores importantes do pensamento brasileiro trouxe à tona o chamado identitarismo, nos mesmos moldes do partido democrata americano. As lutas de classe, deram lugar aos combates de frações da sociedade e de suas bandeiras. As questões raciais, de gênero e outra auferiram grande destaque e têm promovido mudanças sociais. Entretanto, os excessos identitários assustam os mais tradicionais. Os evangélicos e cristãos conservadores são um bom exemplo. Espantados com os temas mais ousados, eles correm para o outro lado do espectro político. Embarcam na lógica das redes sociais alimentadas por pensamentos como os de Olavo de Carvalho e outros. Tornam-se extremistas.

Outro motivo relevante, sobretudo no mundo do agronegócio, é a forma com que os conflitos da terra têm sido tratados por algumas autoridades.  Tudo aquilo que não está claramente colocado nas leis e nas normas, aceitas pela maioria, em uma sociedade, pode causar grandes transtornos. As chamadas invasões provocam revolta nos proprietários rurais. Quando o direito elementar á propriedade está em risco, é fácil incendiar esse setor social. É justamente o que tem acontecido nos últimos anos. Não são apenas as invasões, existem muitos outros elementos nessa combustão. Quero apenas atrair a atenção para um outro fator que tem levado a expansão e a radicalização de muitos. O mundo rural, o terreno do agronegócio virou lugar de expansão do pensamento autoritário. É fácil implantar o medo onde há muita insegurança. 

Podíamos citar ainda outras, mas creio que essas bastam para dar ao leitor clara ideia daquilo que desejo evidenciar. O ódio que alimenta a extrema-direita nasce de processos sociais muito concretos. Toda essa onda, que causa estranheza, não nasceu do nada. Não é um sentimento aleatório, o que os brasileiros desenvolveram. É produto da fragilidade de nossas instituições democráticas, da falta de leitura política de alguns extremados e do espírito conservador da sociedade que vem sendo instigado.

Precisamos ter equilíbrio e buscar intervir na polarização com racionalidade política. Precisamos de sensatez na cena política. Para dar um basta nessa polarização afetiva força de vontade.

** João Gualberto é pesquisador e professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA), e já foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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