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Desigualdade social e educação: desafios e soluções no cotidiano escolar

Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, vejo na desigualdade social, uma questão complexa

7 mins de leitura

em 27 de ago de 2024, às 14h07

Foto: Ciete Silvério/Governo de SP
Foto: Ciete Silvério/Governo de SP

Por Eduardo Machado

Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, vejo na desigualdade social, uma questão complexa e persistente, reflete-se profundamente na educação. A relação entre desigualdade social e educação forma um ciclo vicioso que, em vez de promover a mobilidade social, muitas vezes reforça as disparidades já existentes. Superar esse ciclo exige soluções práticas aplicáveis nos microespaços da sociedade, especialmente nas escolas, onde a busca por equidade é constante.

No Brasil, as diferenças alarmantes entre escolas públicas e privadas, como a disparidade nos recursos e no desempenho acadêmico, revelam o impacto da desigualdade social na educação. Enquanto as escolas privadas, frequentadas por alunos de famílias mais abastadas, desfrutam de melhores condições de ensino, as escolas públicas, especialmente em áreas periféricas e rurais, lutam com a falta de recursos, infraestrutura precária e professores desmotivados.

Paulo Freire, em “Pedagogia do Oprimido”, argumenta que a educação deve ser um processo de conscientização, em que o estudante é protagonista na construção do conhecimento. No entanto, essa pedagogia crítica se torna inviável em um contexto onde faltam os recursos mais básicos, como livros, material didático e até mesmo infraestrutura física adequada. A falta de condições básicas perpetua uma educação bancária, em que os alunos são tratados como receptores passivos, sem espaço para o desenvolvimento do pensamento crítico.

A teórica feminista e educadora Bell Hooks oferece uma visão complementar a essa questão, destacando a importância de uma pedagogia engajada e transformadora. Em sua obra “Ensinando a Transgredir”, Hooks defende que a educação deve ser um ato de liberdade, onde tanto professores quanto alunos se envolvem em um processo de autodescoberta e empoderamento. Ela argumenta que a educação é uma ferramenta poderosa para desafiar e subverter as estruturas de poder e opressão, e que é fundamental criar espaços de aprendizagem que sejam inclusivos, acolhedores e respeitem a diversidade de experiências e perspectivas.

Essas desigualdades afetam o desempenho escolar de maneira direta. Crianças e adolescentes de classes sociais mais baixas frequentemente enfrentam adversidades que dificultam seu aprendizado, como a necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar, a falta de um ambiente doméstico propício aos estudos, a desnutrição e o acesso precário a serviços de saúde. Essas condições geram uma pressão adicional sobre os estudantes, que acabam ficando em desvantagem em relação aos seus colegas de famílias mais abastadas.

Como enfatizam Freire e Hooks, uma educação transformadora deve considerar o contexto social dos alunos. No entanto, as dificuldades enfrentadas pelos estudantes, como a necessidade de trabalhar ou a falta de recursos, frequentemente impedem essa forma de educação. Para enfrentar esses desafios e romper com o ciclo da desigualdade, é necessário adotar uma abordagem prática e integrada, que considere as particularidades de cada comunidade e promova a equidade em todos os níveis.

Uma das maneiras de começar é através da implementação de programas de apoio psicopedagógico e social dentro das escolas. Esses programas podem fornecer suporte emocional e acadêmico para os alunos que enfrentam dificuldades em casa, como a necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar ou lidar com ambientes domésticos desfavoráveis ao estudo. A criação de tutorias personalizadas e de espaços seguros onde os alunos possam discutir suas preocupações e desafios pode fazer uma diferença significativa no desempenho escolar.

Além disso, as escolas devem se tornar verdadeiros centros comunitários, onde a colaboração entre educadores, alunos, pais e a comunidade local seja incentivada e valorizada. A participação da comunidade no ambiente escolar pode trazer recursos adicionais e novas perspectivas, contribuindo para uma educação mais rica e diversificada. Projetos que envolvam a comunidade, como hortas escolares, feiras de ciências ou eventos culturais, não apenas enriquecem a experiência educativa, mas também fortalecem os laços entre a escola e a sociedade, promovendo um senso de pertencimento e responsabilidade coletiva.

Outra ação fundamental é a formação contínua dos professores, especialmente aqueles que atuam em áreas mais vulneráveis. Professores bem preparados e motivados têm um impacto direto na qualidade da educação. Programas de capacitação que abordem não apenas o conteúdo pedagógico, mas também temas como educação inclusiva, gestão de sala de aula e estratégias para lidar com a diversidade cultural e socioeconômica são essenciais para que os professores possam desempenhar seu papel de forma eficaz. É preciso criar incentivos que valorizem o trabalho docente, como progressão na carreira baseada em mérito, melhores condições de trabalho e acesso a recursos didáticos atualizados.

No âmbito das políticas públicas, a redistribuição de recursos deve ser feita de forma mais eficaz e direcionada às áreas que mais precisam, mas sem ser impessoal e distante. Deve-se envolver a participação ativa das comunidades, garantindo que os recursos sejam aplicados de acordo com as necessidades reais de cada escola. A adoção de orçamentos participativos, onde a comunidade escolar tem voz na decisão sobre a aplicação dos recursos, pode ser uma estratégia eficaz para assegurar que as prioridades locais sejam atendidas.

A implementação de programas de ação afirmativa dentro das escolas públicas também pode contribuir para a redução das desigualdades. Programas de cotas para acesso a atividades extracurriculares, bolsas de estudo para cursos técnicos e universitários, e iniciativas de mentorias para alunos de baixa renda são exemplos de como a escola pode promover a equidade e oferecer oportunidades reais de ascensão social. Esses programas devem ser acompanhados de políticas de permanência, como auxílio-transporte, alimentação e apoio psicológico, para garantir que os alunos não abandonem seus estudos por falta de condições.

A integração da educação com outras políticas sociais é crucial. A escola não pode ser vista como uma ilha isolada; ela deve estar conectada a outras esferas da vida social, como saúde, segurança e assistência social. Parcerias entre escolas e serviços de saúde, por exemplo, podem garantir que alunos com dificuldades de aprendizagem tenham acesso a diagnósticos e tratamentos adequados, evitando que problemas como dislexia ou déficit de atenção comprometam seu desempenho escolar. Da mesma forma, a articulação com programas de segurança alimentar pode assegurar que as crianças não estudem com fome, condição que afeta diretamente sua capacidade de aprendizado.

Combater a desigualdade social através da educação é uma estratégia essencial para garantir um futuro mais justo para toda a sociedade. Quando garantimos uma educação de qualidade e equitativa para todos, estamos promovendo justiça social e contribuindo para o desenvolvimento econômico e para a construção de uma democracia mais sólida e participativa. A educação deve ser entendida como um bem comum, cujo acesso universal é a chave para a transformação social e a redução das desigualdades que ainda marcam profundamente a nossa sociedade. Ao aplicarmos essas soluções nos microespaços da sociedade, estamos dando passos concretos para transformar a realidade e criar um mundo onde todos tenham a oportunidade de aprender, crescer e contribuir para o bem comum.

A educação emancipatória, segundo Freire e Hooks, vai além da transmissão de conhecimento; ela é um processo contínuo de transformação social. Em um ambiente educacional que valoriza a diversidade, promove a equidade e desafia as estruturas opressivas, cada indivíduo pode se reconhecer como um agente de mudança. Essa visão de uma educação libertadora é essencial para que possamos, de fato, superar as desigualdades que ainda persistem em nossas sociedades.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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