Distância segura
Na fila da lotérica, uma mulher começa a chorar. Não é escândalo, apenas um pranto baixo, daqueles que escapam mesmo quando se tenta esconder

Por Pe. José Carlos Ferreira da Silva
Receba as principais notícias no seu WhatsApp! clique aquiNa fila da lotérica, uma mulher começa a chorar. Não é escândalo, apenas um pranto baixo, daqueles que escapam mesmo quando se tenta esconder. As pessoas ao redor ajeitam os papéis nas mãos, fingem ler avisos colados na parede, consultam o celular sem necessidade. O movimento não é planejado, mas funciona como um acordo silencioso: ninguém vai perguntar nada.
Não se trata de indiferença. É medo. Aproximar-se do sofrimento do outro significa entrar em terreno incerto, abrir espaço para histórias que podem pesar mais do que se pode carregar. Quem se arrisca corre o risco de ouvir pedidos de ajuda, de ter o próprio dia alterado, de encarar dores que não têm solução rápida.
Por isso, mantém-se a distância. A mulher chora em pé, com as contas ainda na mão, e os outros esperam a senha piscar no painel para seguir adiante. O incômodo dura pouco: logo o barulho das conversas e o chamado do caixa abafam tudo.
Evitar é mais fácil. E o medo não é apenas de se envolver demais com a dor alheia, mas de encontrar nela o reflexo da própria fragilidade.
*** Pe. José Carlos Ferreira da Silva é autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral – Editora Dialética. É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência, Cachoeiro de Itapemirim.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
