Economia da atenção
O processo eleitoral brasileiro de 2024 repetiu - como é natural - muitas das nossas condições políticas estruturais, como o clientelismo, o assistencialismo e a influência religiosa
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em 04 de out de 2024, às 10h21
Por João Gualberto
O processo eleitoral brasileiro de 2024 repetiu – como é natural – muitas das nossas condições políticas estruturais, como o clientelismo, o assistencialismo e a influência religiosa na construção do voto, mas também criou fatos novos. O maior deles certamente está em torno da candidatura de Pablo Marçal em São Paulo. Ele conseguiu grande projeção e inclusive movimentou até mesmo a eleição nacional que ocorrerá em 2026, atingindo fortemente a liderança de Jair Bolsonaro no quadro da direita mais radical, que ambos representam. Vou explicar.
Pablo Marçal ganhou notoriedade pela grande capacidade de provocar polêmicas. Ele mesmo diz que partiu do conceito de economia da atenção, ou seja, o fato de que, no mundo em que vivemos, há cada vez menos tempo para dedicarmos a cada coisa que nos interessa. Como a maioria de nós de fato não dispõe do tempo que gostaria para se dedicar aos seus interesses, então existe realmente um fator econômico por trás da atenção, um valor de mercado, digamos assim. É como se a atenção se comportasse como um bem escasso. Esse conceito foi criado ainda nos anos 1970 por um intelectual importante e mundialmente conhecido, Herbert Simon, que investigou também formas de capitalizar esse bem.
Pablo Marçal usou essa lógica da escassez de tempo em dois momentos fundamentais de sua campanha. Inicialmente, por ser totalmente desconhecido da maioria dos eleitores de São Paulo, através da participação quase que carnavalizada nos debates da televisão. Fez de tudo um pouco, sempre agressivo, polêmico e absolutamente inesperado. Tornou-se, pelo seu caráter teatral e irreverente, um personagem sempre citado nos dias posteriores a cada embate na televisão. A cadeirada que lhe deu o jornalista Datena, também candidato, foi o momento mais comentado dessas participações escandalosas e destinadas a torná-lo a atração principal da corrida eleitoral.
A economia da atenção se estendeu também às redes sociais, por uma estratégia de levar milhares de pessoas a postarem vídeos muito curtos, e com conteúdo forte, extraído do que ele e sua assessoria consideraram os melhores momentos dos debates, entrevistas e palestras. Esses vídeos são, em grande parte, produtos dos chamados “campeonatos de cortes”, organizados desde dezembro por Marçal. Eles renderam 650 milhões de visualizações nas redes sociais por edição, segundo o articulista Bernardo Melo, de O Globo, e obviamente têm sido usados como impulsionamento de sua candidatura. Nos campeonatos o empresário oferecia prêmios de até 10 mil reais para o vencedor, além de distribuir outros valores para os melhores ranqueados.
Até aqui, creio que a utilização dos recursos conceituais da economia da atenção foi a estratégia pensada desde o início de sua candidatura. Entretanto, as eleições produzem situações novas dentro de seu próprio processo. O fato novo foi o crescimento da competitividade em São Paulo ter proporcionado a chance de Marçal lançar-se como liderança nacional, ameaçando outros interesses. Além disso, os danos concretos à candidatura do prefeito Nunes, candidato da agora tradicional direita na disputa eleitoral na capital paulista, fez que com que os expoentes dessa corrente política se voltassem todos contra o ex-coach, inclusive o líder maior dessa ala, Jair Bolsonaro. Era tudo que Marçal precisava para alcançar uma discussão ainda mais ampla.
Bolsonaro se afastou da campanha de Nunes quando a sua eleição se problematizou, com medo de ser atingido. Na sequência, o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, chamou para si e para sua liderança a campanha do atual prefeito, tendo todo o protagonismo nela. Com isso, a outra grande liderança nacional da direita convidou Marçal para o seu partido: Ronaldo Caiado, o governador de Goiás, que pretende ser candidato a presidente da República pelo União Brasil. Assim, a presença política de Pablo Marçal passou a ser disputada pelos grandes figurões da política nacional. Isso o consolida como uma das novas lideranças da extrema direita brasileira.
Baseando-se nas ferramentas tecnológicas mais contemporâneas, na mais completa falta de princípios éticos da aplicação da economia da atenção e na estratégia monotemática de Bolsonaro, Pablo Marçal vai se tornando uma estrela na nova constelação do poder no Brasil. Ele representa outra ponta de lideranças da direita no país e começa a ameaçar o reinado quase absoluto de Jair Bolsonaro, que está nessa bolha desde 2018.
** João Gualberto é pesquisador e professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA), e já foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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