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O abuso de poder no trabalho

O ambiente de trabalho deveria ser um espaço de crescimento, respeito e colaboração, mas, infelizmente, nem sempre é assim

7 mins de leitura

em 10 de out de 2024, às 10h17

Foto: Pixabay
Foto: Pixabay

Por Eduardo Machado

O ambiente de trabalho deveria ser um espaço de crescimento, respeito e colaboração, mas, infelizmente, nem sempre é assim. O abuso de poder no local de trabalho é uma realidade que afeta a dignidade e o bem-estar de muitas pessoas. Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, vejo a importância de trazer essa discussão à tona, não apenas para reconhecer o problema, mas também para pensar em soluções que promovam o respeito mútuo e a justiça. A filosofia, que investiga o comportamento humano e as questões de poder, nos oferece ferramentas valiosas para identificar e lidar com essas situações.

Desde a Antiguidade, filósofos se debruçam sobre as dinâmicas de poder. Platão e Aristóteles, por exemplo, refletiam sobre o uso justo e ético da autoridade. Mais recentemente, filósofos como Michel Foucault estudaram a forma como o poder permeia nossas relações sociais e institucionais. No contexto do trabalho, essas reflexões são fundamentais. O abuso de poder pode se manifestar de maneiras sutis, como a manipulação psicológica e a desvalorização dos subordinados, ou de forma mais direta, como assédio moral ou sexual. Identificar esses abusos e entender suas implicações é o primeiro passo para criar um ambiente de trabalho mais saudável.

Um dos maiores desafios ao identificar o abuso de poder no trabalho é que ele muitas vezes é normalizado. A filosofia nos ensina a questionar as estruturas ao nosso redor, a não aceitar a realidade como imutável. Muitas vezes, comportamentos autoritários são aceitos ou ignorados porque são vistos como “parte do jogo” corporativo. Mas isso não é natural, e muito menos aceitável. Hannah Arendt, filósofa do século XX, nos lembra que o poder autêntico surge do consentimento coletivo e do respeito mútuo, não da coerção ou do medo. Quando um superior usa sua posição para intimidar, humilhar ou explorar seus subordinados, ele está violando essa relação de confiança que deveria existir no ambiente de trabalho.

O abuso de poder pode assumir várias formas. Ele pode ser verbal, quando há ofensas e humilhações frequentes; emocional, quando o trabalhador é manipulado ou feito para se sentir inferior; ou até estrutural, quando a organização impõe condições que sufocam a autonomia e o bem-estar dos funcionários. A filosofia ética, especialmente nas ideias de Emmanuel Levinas e Paul Ricœur, nos convida a pensar sobre o respeito ao outro como um princípio fundamental. O respeito à dignidade humana deve ser a base de qualquer relação de trabalho. Qualquer situação que viole essa dignidade precisa ser confrontada.

Além de identificar o abuso, é essencial falar sobre as formas de combate a essa prática. A filosofia do diálogo, proposta por autores como Jürgen Habermas, aponta para a importância da comunicação transparente e do respeito às diferenças como formas de superar conflitos e desigualdades. Em um ambiente de trabalho saudável, todos devem ter a oportunidade de se expressar sem medo de represálias, e o diálogo deve ser sempre baseado no respeito e na escuta ativa.

No entanto, não podemos ignorar a realidade de que, na prática, o combate ao abuso de poder é muitas vezes frustrante. As estruturas de poder tendem a se proteger e se perpetuar, e quem ousa desafiar essas práticas abusivas pode se deparar com um sistema resistente à mudança. Muitos trabalhadores, ao tentar denunciar abusos, encontram barreiras institucionais, omissões e, em alguns casos, represálias. O resultado é uma sensação de impotência e insatisfação, que faz com que o problema persista.

Como seres humanos, essa frustração é compreensível. Sentir que o esforço para mudar a situação muitas vezes resulta em mais sofrimento pode levar à desilusão. Essa é uma realidade que precisa ser reconhecida e enfrentada com ainda mais determinação. Aqui, a filosofia pode oferecer consolo e resistência. Jean-Paul Sartre nos lembra que, mesmo diante da opressão, somos livres para fazer escolhas e que, ao escolhermos resistir, reafirmamos nossa humanidade. Lutar contra o abuso de poder, por mais difícil que seja, é um ato de coragem que não pode ser subestimado.

O combate direto às práticas abusivas exige não só uma mudança cultural, mas também uma mobilização coletiva. Se os trabalhadores se unirem para exigir condições mais justas, fortalecendo sindicatos, redes de apoio e mecanismos de denúncia, o poder abusivo pode ser gradualmente desafiado e enfraquecido. Não é uma luta fácil, e muitas vezes as respostas das instituições são lentas ou ineficazes. Contudo, é através dessa pressão constante que se constrói uma resistência efetiva contra essas práticas.

Entender o que configura abuso de poder é crucial. Isso inclui não apenas o ato de oprimir, mas também o efeito psicológico que o abuso tem sobre a vítima. É comum que pessoas em posições de autoridade usem o medo como uma forma de controle, e isso gera um ciclo de insegurança e silêncio. Michel Foucault argumenta que o poder não é apenas algo que uma pessoa tem e outra não, mas uma rede de relações que permeia toda a sociedade. Isso significa que o abuso de poder é uma questão coletiva, que precisa ser abordada por todos os envolvidos: funcionários, gestores, instituições.

No ambiente escolar, essa discussão é particularmente importante, porque os jovens que formamos serão os profissionais de amanhã. Trazer a questão do abuso de poder para a sala de aula é uma maneira de educar os alunos sobre seus direitos, sobre o respeito à dignidade e sobre como reconhecer e lidar com situações de opressão. A filosofia do direito, especialmente nas ideias de John Locke e Immanuel Kant, fala sobre a igualdade fundamental entre os seres humanos, independentemente de suas posições de poder. Essa igualdade deve ser o princípio norteador de qualquer relação de trabalho.

Outro aspecto importante que a filosofia nos oferece é a reflexão sobre a responsabilidade. O filósofo Jean-Paul Sartre dizia que somos responsáveis não apenas por nossas ações, mas também pelas consequências delas no mundo. Isso significa que, quando alguém em posição de poder abusa de sua autoridade, ele está violando não apenas a ética profissional, mas também a ética existencial. É um lembrete de que o poder vem com responsabilidade, e essa responsabilidade implica em tratar os outros com respeito e consideração.

Como professores, gestores ou colegas de trabalho, temos a obrigação de reconhecer e denunciar o abuso de poder quando o vemos. Devemos criar ambientes onde o respeito, a empatia e a justiça prevaleçam. E isso exige coragem. Falar sobre abuso de poder é, muitas vezes, um ato de resistência contra estruturas injustas, mas é um passo necessário para promover a dignidade humana no trabalho.

A filosofia, com suas reflexões profundas sobre poder, justiça e ética, nos dá as ferramentas para enfrentar essas questões. Mais do que uma disciplina teórica, ela nos ajuda a construir relações baseadas na igualdade e no respeito. O abuso de poder, em qualquer de suas formas, é uma violação daquilo que torna o trabalho um espaço de desenvolvimento e crescimento. Combatê-lo é uma forma de afirmar o valor da vida humana e o respeito à dignidade de cada indivíduo.

Neste contexto, é importante lembrar que o abuso de poder não é um problema individual, mas estrutural, e que só pode ser enfrentado de maneira coletiva. Que possamos, então, nos engajar na construção de espaços de trabalho mais justos, éticos e humanos, onde o poder seja exercido com responsabilidade e respeito, e onde todos possam florescer em suas potencialidades.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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