O papel da família na educação dos estudantes

Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, tenho observado com o passar do tempo

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em 09 de jul de 2024, às 09h25

Foto: Ilustrativa/Pixabay
Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Eduardo Machado

Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, tenho observado com o passar do tempo a influência vital da família no desenvolvimento educacional dos estudantes. É inegável que a educação não começa nem termina na sala de aula. A família é, ou deveria ser, o primeiro espaço de aprendizagem e formação, onde os valores, comportamentos e atitudes fundamentais são transmitidos. No entanto, a realidade muitas vezes se apresenta de maneira desafiadora e complexa, revelando falhas e omissões que comprometem o desenvolvimento integral dos alunos.

A educação deve ser um esforço coletivo que exige a colaboração entre escola e família. No entanto, o que vejo frequentemente é uma desconexão preocupante. Muitos pais e responsáveis delegam totalmente à escola a responsabilidade pela educação de seus filhos, esquecendo-se de que o apoio e o envolvimento familiar são cruciais para o sucesso acadêmico e pessoal dos estudantes. A presença ativa dos pais na vida escolar dos filhos – participando de reuniões, acompanhando o desempenho escolar e incentivando a leitura e os estudos em casa – pode fazer uma diferença significativa.

Por outro lado, é preciso reconhecer as dificuldades enfrentadas por muitas famílias, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O contexto da pobreza, da necessidade de múltiplos empregos para sustentar a família e sa falta de acesso a recursos educacionais são obstáculos reais que limitam a capacidade dos pais de se envolverem ativamente na educação dos filhos. Isso não é uma desculpa, mas uma realidade que precisa ser abordada com políticas públicas eficazes e sensíveis à realidade dessas famílias.

A ausência de um ambiente doméstico propício ao aprendizado é outro fator crítico. Muitas crianças e adolescentes vivem em lares onde a violência doméstica, a negligência e a falta de estrutura emocional são comuns. Esse ambiente desestabilizador afeta profundamente o desenvolvimento cognitivo e emocional dos estudantes, refletindo-se em seu desempenho escolar. É essencial que haja um esforço conjunto para garantir que essas famílias recebam o apoio necessário, tanto do governo quanto da sociedade civil, para criar ambientes mais saudáveis e estimulantes para seus filhos.

A tecnologia, embora tenha o potencial de ser uma ferramenta educativa poderosa, muitas vezes exacerba a desconexão entre família e escola. O uso excessivo de dispositivos eletrônicos e redes sociais pode levar ao isolamento dos jovens e à falta de comunicação com os pais. É fundamental que as famílias estabeleçam limites e orientem os filhos sobre o uso responsável da tecnologia, promovendo um equilíbrio entre o tempo online e outras atividades educativas e recreativas.

Além disso, a escola tem o dever de fomentar essa parceria com a família, indo além das tradicionais reuniões de pais e mestres. Programas que envolvam a comunidade escolar, como oficinas de capacitação para pais, eventos culturais e esportivos, e projetos colaborativos, podem fortalecer os laços entre escola e família. É necessário criar canais de comunicação eficientes e acessíveis, onde os pais possam expressar suas preocupações e sugestões, sentindo-se parte integrante do processo educativo.

Contudo, é imperativo sermos realistas e críticos em relação ao papel do Estado e das políticas públicas nesse cenário. Muitas vezes, o discurso sobre a importância da família na educação é usado de forma demagógica, sem que haja um compromisso real com a criação de condições para que as famílias possam efetivamente cumprir esse papel. A falta de investimentos em programas de apoio familiar, a ineficácia de políticas sociais e a negligência em relação às necessidades básicas de muitas famílias revelam uma desconexão entre a retórica e a prática.

O Estado tem a responsabilidade de criar condições para que todas as famílias possam participar ativamente da educação de seus filhos. Isso inclui a implementação de políticas que garantam condições de trabalho dignas, acesso a serviços de saúde, habitação de qualidade e programas de assistência social que realmente façam a diferença na vida das pessoas. Sem essas condições, qualquer discurso sobre o papel da família na educação é vazio e hipócrita.

Em meio a essas complexidades, o papel do professor torna-se ainda mais central, especialmente para as crianças e adolescentes que enfrentam a ausência da família em seu processo educacional. Os professores, muitas vezes, assumem não apenas a função de educadores, mas também de mentores, conselheiros e, em muitos casos, de figuras parentais substitutas. É uma responsabilidade imensa e, muitas vezes, subestimada.

Na ausência de um apoio familiar sólido, o professor deve ser um ponto de referência estável e confiável para o aluno. Isso exige uma sensibilidade e um compromisso que vão além do conteúdo curricular. Envolve a construção de relacionamentos baseados na confiança e no respeito mútuo, a capacidade de identificar e responder às necessidades emocionais dos estudantes, e a criação de um ambiente escolar seguro e acolhedor.

O sucesso dessa abordagem exige, obviamente, que os professores recebam o apoio necessário para desempenhar esse papel. Isso inclui não apenas uma formação adequada, mas também condições de trabalho dignas, salários justos e um ambiente escolar que valorize e respeite o trabalho docente. A carga emocional e psicológica associada a essa função é significativa e precisa ser reconhecida e apoiada pelas políticas públicas e pela gestão escolar.

Por fim, é essencial que todos nós – educadores, famílias, gestores e a sociedade como um todo – reconheçamos a complexidade desse tema e trabalhemos juntos para construir uma educação que realmente prepare nossos jovens para os desafios do futuro. A família tem um papel insubstituível na formação dos estudantes, mas esse papel só pode ser plenamente exercido em um contexto de apoio, respeito e colaboração.

A luta por uma educação de qualidade é uma luta por justiça social. É uma luta para garantir que cada criança e jovem, independentemente de sua origem, tenha a oportunidade de se desenvolver plenamente e de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Como professor de filosofia, acredito que a educação é o caminho para a libertação e a transformação social. E para que isso seja possível, precisamos de uma colaboração efetiva entre escola, família e comunidade, com um compromisso genuíno e ações concretas que coloquem a educação no centro de nossas prioridades.

Devemos parar de transferir responsabilidades e começar a agir de maneira coordenada e eficaz. O futuro de nossos jovens e de nossa sociedade depende disso.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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