O poder da escuta ativa na educação
pressão por resultados, turmas superlotadas e a falta de recursos podem dificultar a criação de momentos de conexão
5 mins de leitura
em 10 de dez de 2024, às 11h41
Por Eduardo Machado
Educar é, antes de tudo, um ato humano. É uma relação, uma troca profunda que depende, em grande medida, de como nos conectamos com nossos estudantes. E, nesse processo, a escuta ativa não é apenas um método — é um princípio essencial. Ouvir verdadeiramente pode transformar tanto o ambiente escolar quanto a vida daqueles que educamos.
Mas o que é, afinal, escuta ativa? Não se trata apenas de ouvir palavras ou frases soltas, mas de compreender o que está sendo dito de forma ampla, incluindo os silêncios, os gestos, o tom de voz. É uma prática que exige atenção plena, empatia e disponibilidade emocional. Para nós, professores, pode ser um desafio. Entre planejamentos de aulas, cobranças por resultados e a rotina frenética do cotidiano escolar, muitas vezes, acabamos negligenciando o simples ato de parar e ouvir. No entanto, é justamente em meio a essa agitação que a escuta ativa se torna ainda mais essencial.
Quando ouvimos de maneira genuína, criamos um espaço seguro, onde os estudantes se sentem valorizados e compreendidos. Imagine um jovem que, em casa, é ignorado, cujas opiniões nunca encontram eco. Ao ser ouvido na escola, ele experimenta algo raro: a sensação de que sua voz tem importância. Um estudante que enfrenta dificuldades pessoais, mas que encontra no professor um ouvinte atento, pode começar a perceber que não está sozinho em sua jornada. Mais do que isso, pode encontrar força para superar desafios e acreditar em seu próprio potencial.
A prática da escuta ativa, no entanto, exige mais do que boa vontade. Requer um esforço consciente para suspender julgamentos, evitar interrupções e resistir à tentação de oferecer respostas prontas. Muitas vezes, os estudantes não precisam de soluções imediatas; precisam de alguém que os acolha, que respeite suas dúvidas, medos e sonhos. É uma postura que exige humildade: admitir que não temos todas as respostas e que, em muitos casos, o maior presente que podemos oferecer é simplesmente estar presentes.
O impacto dessa prática vai além das relações individuais. Ao promover a escuta ativa, estamos também ensinando valores fundamentais, como o respeito, a empatia e a valorização da diversidade. Em um mundo tão marcado por polarizações e pela pressa em reagir, aprender a ouvir o outro com atenção e abertura é uma habilidade poderosa — e rara. Estamos formando não apenas alunos mais confiantes, mas também cidadãos mais conscientes e capazes de dialogar.
Entretanto, também precisamos ser críticos em relação aos obstáculos que impedem a escuta ativa. O ambiente escolar, muitas vezes, está longe de ser ideal. A pressão por resultados, turmas superlotadas e a falta de recursos podem dificultar a criação de momentos de conexão. Além disso, há professores que, por falta de preparo ou sensibilidade, acabam desconsiderando as vozes dos alunos, perpetuando dinâmicas de silêncio e invisibilidade. Esses comportamentos não apenas minam a autoestima dos estudantes, mas também comprometem sua confiança na escola como espaço de acolhimento.
Por outro lado, quando conseguimos superar essas barreiras, os frutos são transformadores. Um aluno que se sente ouvido é um aluno que confia mais em si mesmo. É alguém que, ao perceber que suas ideias são valorizadas, se torna mais disposto a participar, a colaborar, a aprender. É alguém que entende que sua voz pode, sim, fazer diferença.
A escuta ativa também nos transforma como educadores. Cada história que ouvimos nos desafia a ampliar nossa perspectiva, a repensar nossas práticas e a nos reconectar com o propósito mais profundo do ensino. É um lembrete constante de que a sala de aula é, acima de tudo, um espaço de humanidade compartilhada, onde crescemos juntos — professores e alunos.
Mas há uma dimensão ainda mais ampla na prática da escuta: o impacto sobre a saúde emocional dos estudantes. Quando ignoramos ou invalidamos o que dizem, podemos reforçar inseguranças e desencadear sentimentos de inadequação. Já quando ouvimos com atenção e cuidado, mostramos que suas experiências importam, ajudando a construir uma base emocional mais sólida.
Para colocar a escuta ativa em prática, não é preciso reinventar a roda. Às vezes, bastam gestos simples: olhar nos olhos, deixar de lado o celular ou o computador enquanto o aluno fala, perguntar com interesse e, acima de tudo, estar presente. É um investimento que pode parecer pequeno, mas que gera um impacto imenso.
Lembro-me de uma vez em que um estudante, após semanas de aparente desinteresse nas aulas, pediu para conversar. Ele estava passando por dificuldades familiares e não sabia a quem recorrer. Ao ouvi-lo, percebi que não tinha soluções mágicas para oferecer, mas minha disposição de estar ali, de escutar sem pressa, fez toda a diferença. Depois daquele dia, seu comportamento mudou: ele parecia mais leve, mais confiante, mais engajado. Aquela conversa me lembrou do quanto podemos ser agentes de transformação, mesmo nos pequenos gestos.
Por fim, ser um professor que escuta ativamente é, também, um ato de resistência. É resistir à desumanização do ensino, à ideia de que educar se resume a preencher lacunas de conhecimento. É reafirmar que, antes de sermos transmissores de conteúdo, somos cuidadores de histórias, de sonhos, de vidas.
Que sejamos, então, professores que escutam. Que saibamos transformar nossas salas de aula em espaços de acolhimento e diálogo, onde cada voz encontre eco. Porque, no final das contas, ensinar é isso: ouvir o que cada aluno tem a dizer e ajudá-lo a descobrir que sua voz importa, que seu caminho tem valor e que ele nunca está sozinho em sua jornada.
** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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