O valor do erro

A filosofia, ao longo da história, sempre acolheu o erro como ponto de partida para reflexões mais profundas

5 mins de leitura

em 18 de dez de 2024, às 15h12

Foto ilustrativa: Pixabay
Foto ilustrativa: Pixabay

Por Eduardo Machado

Em uma sala de aula, ouvir um estudante errar é um dos momentos mais ricos para quem ensina e aprende. Entretanto, em nossa sociedade, o erro é frequentemente encarado como algo a ser evitado, um sinal de fracasso ou incompetência. Essa visão distorcida permeia também o ambiente escolar, transformando o ato de errar em algo temido e, muitas vezes, desencorajando os estudantes a se arriscarem em sua busca pelo conhecimento. Mas, como nos ensinam os grandes filósofos, o erro não é apenas uma possibilidade no caminho do aprendizado — ele é uma etapa essencial desse processo.

A filosofia, ao longo da história, sempre acolheu o erro como ponto de partida para reflexões mais profundas. Sócrates, por exemplo, acreditava que a verdadeira sabedoria começa ao reconhecermos nossa ignorância. Para ele, admitir que não sabemos algo — e, portanto, que podemos errar — era o primeiro passo rumo ao conhecimento. Da mesma forma, Descartes utilizava a dúvida e o questionamento, frequentemente associados ao erro, como ferramentas para construir sua filosofia. Ambos enxergavam o erro não como um fracasso, mas como um motor de crescimento intelectual e humano.

Na educação, o erro deveria ser tratado com a mesma perspectiva. Cada resposta equivocada, cada tentativa frustrada, é uma oportunidade de aprendizado — uma chance de repensar caminhos, de compreender conceitos com mais profundidade e de fortalecer a autonomia intelectual dos estudantes. Quando permitimos que o erro seja parte natural do processo educativo, estamos não apenas ensinando conteúdos, mas também preparando nossos alunos para enfrentar os desafios da vida com resiliência e criatividade.

Contudo, o ambiente escolar nem sempre favorece essa abordagem. A pressão por resultados rápidos, a cultura de notas e a obsessão por rankings muitas vezes fazem com que o erro seja visto como algo vergonhoso, algo a ser escondido ou corrigido imediatamente. Nessas condições, os estudantes passam a temer o erro, preferindo permanecer em zonas de conforto a correr o risco de fracassar. Esse medo paralisa, bloqueia o potencial criativo e impede que o aprendizado verdadeiro aconteça.

Como professores, precisamos questionar essa lógica. Devemos criar espaços onde o erro seja bem-vindo, onde ele seja entendido como parte de um processo natural e necessário. Isso significa, por exemplo, valorizar as tentativas, por mais imperfeitas que sejam, e incentivar os estudantes a explorarem suas ideias sem medo de errar. Em vez de corrigir imediatamente, podemos perguntar: “Por que você acha que isso é assim?” ou “O que podemos aprender com essa resposta?”. Essas perguntas transformam o erro em uma oportunidade de reflexão e diálogo, em vez de um momento de punição ou vergonha.

Além disso, precisamos reconhecer a importância de modelar essa postura em nossa própria prática. Como professores, também erramos — seja em uma explicação, seja na gestão de sala ou em nossas relações com os estudantes. Quando admitimos nossos erros de forma aberta e humilde, mostramos que errar é humano e que o importante é o que fazemos a partir disso. Esse exemplo é poderoso, pois ensina que o erro não é o fim, mas um ponto de partida para novas possibilidades.

Mas o valor do erro vai além do aprendizado intelectual. Ele também tem um papel fundamental no desenvolvimento socioemocional dos estudantes. Ao aceitar que o erro faz parte da vida, os alunos aprendem a lidar com a frustração, a desenvolver resiliência e a enxergar os desafios como oportunidades. Eles entendem que o fracasso não define quem são, mas sim como reagem a ele. Esse aprendizado é essencial, especialmente em um mundo onde a pressão por sucesso imediato é constante.

No entanto, para que essa mudança de perspectiva aconteça, precisamos combater práticas nocivas no ambiente escolar. Professores que ridicularizam os erros dos alunos ou que priorizam a perfeição acima de tudo acabam criando barreiras ao aprendizado. Essas atitudes não apenas desestimulam os estudantes, mas também reforçam uma cultura de medo e insegurança. Nosso papel, como educadores, é o oposto: é acolher, orientar e ajudar os estudantes a perceberem que, em cada erro, há uma possibilidade de crescimento.

Valorizar o erro também é uma forma de humanizar a educação. É reconhecer que aprender é um processo complexo, feito de avanços e recuos, de sucessos e tropeços. É entender que nossos estudantes são indivíduos em formação, com suas próprias trajetórias, medos e sonhos. Quando criamos um ambiente onde eles se sentem seguros para errar, estamos dizendo a eles: “Você pode experimentar, você pode tentar, você pode ser quem você é — porque aqui, o que importa é o processo, não a perfeição”.

Assim, o erro deixa de ser um obstáculo e se torna um aliado. Ele nos desafia, nos instiga e nos ensina. E, mais importante, ele nos lembra de que o aprendizado verdadeiro não é uma linha reta, mas um caminho cheio de curvas, desvios e descobertas inesperadas.

Que possamos, como professores, abraçar o erro em nossa prática e em nossa vida, mostrando aos nossos estudantes que errar não é falhar, mas crescer. E que, juntos, possamos construir uma educação que valorize não apenas as respostas corretas, mas também as tentativas, os questionamentos e as lições que surgem a partir das imperfeições. Porque, no fundo, é isso que nos torna humanos: a capacidade de aprender com nossos próprios tropeços e de encontrar, em cada erro, uma nova oportunidade de recomeçar.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

Receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro de tudo! Basta clicar aqui