O véu branco
Irmã Otília, que conheci mais tarde, quando uma saudosa pessoa passou alguns dias na UTI da Santa Casa, antes de partir. Quanta meiguice e fé nos olhos e nos lábios daquela figura
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em 27 de maio de 2025, às 15h01

Por Denise Vieira
Uma grande inquietação passa por mim durante a semana até que sinto em meu coração sobre o que escreverei. Mas a inspiração vem sem esforço. Ela simplesmente surge. E hoje não foi diferente. Estava na Matriz Velha. Chego com o sino já anunciando que a missa está prestes a começar. Ponho-me de joelhos, curvo a cabeça e ao levantar avisto lá na frente, nos primeiros bancos da Igreja um véu branco. Até agora não sei de quem era. Penso que poderia ser Irmã Otília. Naquele instante minha memória me leva à infância e ao bom tempo que conheci algumas pessoas muito especiais, como algumas freiras. Lembrei que um dos sonhos do meu pai era de que eu fosse freira. Ah, papai! Lembro da Madre Maria, aquela figura franzina com rosto e alma angelicais, santos.
Madre Maria usava óculos com lentes garrafais e tinha um cheirinho bom, que acalmava meu coração sempre que me aproximava. O abraço dela afagava minha alma de menina, com tantos sonhos e tantas dores. Morava com outras irmãs de caridade, numa casa no pátio do Colégio Jesus Cristo Rei. Elas, Irmã Margarida e Irmã Salete eram, na minha lembrança, as únicas da casa que usavam hábitos, brancos e beges, mas o véu sempre branco. Eu morria de curiosidade de ver o rosto delas sem os véus. Como seria o cabelo delas? Que cor teria? Tentava entrar nos quartos na tentativa de desvendar um pouco da intimidade, ver o perfume, o pó de arroz, a penteadeira. Mas, o máximo que podíamos avançar era até a capela que ficava bem no meio da residência. Ali, eu e mamãe rezávamos juntas pela nossa família e pelo fim do doloroso vício do meu pai. Eu achava que por estar naquela casa abençoada, minha oração seria mais rapidamente atendida por Deus. E assim ia consolando meu coração, imaginado e renovando as minhas esperanças a cada dia que ali rezava.
Madre Maria era de poucas palavras, mas de muito carinho. Irmã Margarida já era mais azeda. Brava. Raramente fazia um afago, mas fazia. Irmã Tereza uma lindeza, a qual as irmãs carinhosamente chamavam de Tetê. Irmã Salete também usava hábitos e foi uma grande parceira do meu marido nos atendimentos médicos por esse interior afora. Ela era da área da saúde. Saíam em um ônibus que no interior havia um consultório móvel para consultas e coleta de preventivos, o Papanicolau, que previne o câncer do colo do útero.
Irmã Otília, que conheci mais tarde, quando uma saudosa pessoa passou alguns dias na UTI da Santa Casa, antes de partir. Quanta meiguice e fé nos olhos e nos lábios daquela figura. Ela me fortalecia, dizendo: Tenha fé, minha filha! Ele está melhorando… Todas às vezes que ela me abraçava, eu sentia que era Deus me consolando e me preparando para a despedida. Uma presença extremamente forte e reveladora.
Dizem pelas ruas que é ela é a “santinha” da Santa Casa. Eu vou além, ela é a “santinha” de todos que crêem pela vida de doação a Deus e aos irmãos. Aquele véu branco me fez pensar que todos podemos usar véus brancos. O branco é a soma de todas as cores, a paz interior e o convite diário à renovação da vida.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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