Projeto de vida – celebração e desafio
Educar é mais que apenas transmitir conhecimento; é tocar vidas e moldar futuros. No ambiente escolar, cada estudante carrega consigo uma bagagem de sonhos
6 mins de leitura
em 25 de out de 2024, às 10h03
Por Eduardo Machado
Educar é mais que apenas transmitir conhecimento; é tocar vidas e moldar futuros. No ambiente escolar, cada estudante carrega consigo uma bagagem de sonhos, aspirações e incertezas. Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, vejo que a escola não pode ser apenas um lugar onde conteúdos são despejados para uma memorização. Ela deve ser um espaço de construção de projetos de vida, onde o professor desempenha um papel central na inspiração e no apoio aos sonhos dos estudantes. A filosofia, como disciplina que questiona e reflete sobre o sentido da existência, tem muito a contribuir nesse processo. No entanto, nem todos os professores conseguem, ou querem, abraçar essa responsabilidade.
É fundamental entendermos que, ao longo da vida escolar, os estudantes passam por processos de autodescoberta e construção de identidade. A partir das suas experiências, das interações com colegas e professores, e do próprio contexto social e familiar, eles vão, aos poucos, desenhando seu projeto de vida. Esse projeto de vida não é apenas uma escolha profissional ou acadêmica, mas uma visão de quem eles querem ser no mundo e como desejam viver. E é aqui que o papel do professor se torna decisivo.
Um professor bem preparado, comprometido e sensível tem o poder de inspirar e apoiar esses projetos de vida. Ele sabe que seu papel vai além da sala de aula; ele é um guia, um mentor, alguém que ajuda o estudante a enxergar suas potencialidades e a superar seus medos e dificuldades. Esse professor escuta com atenção, oferece palavras de incentivo e cria um ambiente onde o estudante se sente seguro para sonhar e, principalmente, para acreditar que seus sonhos são possíveis. Quando um aluno encontra um professor assim, a escola deixa de ser apenas um espaço de instrução e se transforma num lugar de acolhimento e crescimento pessoal.
Entretanto, há uma realidade que não podemos ignorar: muitos professores, infelizmente, fazem o oposto. Ao invés de apoiar, desestimulam. Ao invés de acolher, julgam. E ao invés de inspirar, perpetuam preconceitos e discriminações. Esses professores, despreparados emocionalmente ou indiferentes à maravilhosa complexidade dos jovens, podem causar danos profundos à autoestima e ao desenvolvimento dos estudantes. Um comentário depreciativo, uma atitude desinteressada, ou até mesmo a incapacidade de lidar com as diferenças entre os alunos, são ações que, embora sutis, podem comprometer seriamente a estabilidade socioemocional de quem está em processo de formação.
É vergonhoso ver como alguns professores impõem suas visões de mundo limitadas aos alunos, muitas vezes sem perceber o quanto isso pode ser prejudicial, ou pior, com a certeza disso. Se o papel do professor é iluminar o caminho dos estudantes, esses educadores acabam por obscurecê-lo. Ao perpetuar seus preconceitos ou expectativas irreais, eles não só desmotivam, mas, em muitos casos, fazem com que o estudante questione negativamente seu valor. Professores que dizem frases como “você não vai chegar a lugar nenhum” ou “esse sonho não é para você” estão, na verdade, podando as asas daqueles que poderiam voar alto, por outras vezes, ofensas diretas e rebaixamentos em público, depreciando e humilhando estudantes. E isso é uma tragédia educacional.
Se voltarmos às bases filosóficas, podemos lembrar de Immanuel Kant, que falava sobre a importância da autonomia e da dignidade humana. Cada estudante é um ser autônomo, dotado de um potencial que merece ser desenvolvido. Quando um professor interfere negativamente no projeto de vida de um aluno, ele está, de certa forma, violando essa autonomia, limitando a liberdade de escolha e a capacidade de sonhar. Kant nos ensinou que devemos tratar o outro sempre como um fim em si mesmo, e nunca como um meio. O estudante não está na sala de aula para satisfazer as expectativas ou as frustrações do professor. Ele está ali para descobrir quem é, e cabe ao professor facilitar esse processo, não o impedir.
Por outro lado, é imprescindível valorizar e enaltecer os educadores que cumprem essa missão com maestria e excelência. Aqueles que, mesmo diante de um sistema educacional cheio de falhas e desafios, não se deixam levar pela indiferença ou pelo cansaço. Esses professores, muitas vezes com poucos recursos, conseguem criar laços de confiança e cumplicidade com seus alunos, ajudando-os a ver além do que o próprio sistema lhes oferece. Esses mestres entendem que cada palavra pode carregar um peso enorme e que cada gesto de apoio pode ser a diferença entre um aluno que desiste e um aluno que segue em frente, acreditando em si mesmo.
A filosofia da educação, especialmente na tradição de Paulo Freire, nos lembra da importância do diálogo, da empatia e da compreensão mútua. Educar é um processo dialógico, e é através da escuta atenta que o professor pode realmente apoiar o projeto de vida de seu estudante. A relação professor-aluno não deve ser vertical, onde o saber é depositado de cima para baixo, mas horizontal, onde ambos constroem juntos o conhecimento e o caminho a ser trilhado. Esse tipo de relação humanizadora é o que transforma a educação em uma ferramenta de libertação e crescimento.
Devemos, portanto, ser críticos em relação àqueles que, por despreparo, indiferença ou maldade, se recusam a exercer esse papel fundamental. Mas, ao mesmo tempo, precisamos valorizar os educadores que fazem a diferença, que inspiram, que guiam com sabedoria e paciência. Esses são os verdadeiros construtores de sonhos, aqueles que, ao apoiar os projetos de vida de seus estudantes, ajudam a moldar uma sociedade mais justa, mais humana e mais solidária.
Ao final, a questão que fica é: qual é o nosso papel como professores? Vamos ser aqueles que limitam, que perpetuam preconceitos e destroem sonhos? Ou seremos aqueles que inspiram, que acreditam, e que ajudam a construir o futuro junto com nossos alunos? A resposta a essa pergunta define não apenas o tipo de educadores que somos, mas a pessoa e o tipo de mundo que estamos ajudando a criar. Que seja imperativo, sempre, escolher o caminho da inspiração, do apoio e do respeito à autonomia de cada jovem que passa por nossas mãos. Porque, no fundo, educar é isso: um ato de fé nos sonhos do outro e na capacidade de cada ser humano de realizar o seu próprio projeto de vida.
** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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