Quando a instabilidade adoece os professores temporários

Todos os anos, um exército invisível de professores temporários assume as salas de aula da rede pública, carregando nos ombros o peso da incerteza

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em 20 de fev de 2025, às 17h32

Foto: Ciete Silvério/Governo de SP
Foto: Ciete Silvério/Governo de SP

Por Eduardo Machado

Todos os anos, um exército invisível de professores temporários assume as salas de aula da rede pública, carregando nos ombros o peso da incerteza. Somos peças de um tabuleiro onde as regras nunca são claras, reféns de um sistema que nos trata como descartáveis. Não importa nossa formação, nossa dedicação ou a diferença que fazemos na vida dos alunos: ao fim do contrato, somos convidados a sair pela porta dos fundos, enquanto outros, mais próximos de quem manda, permanecem sem explicação.

Mas o problema não é apenas a falta de estabilidade. O verdadeiro veneno desse modelo de contratação é a perseguição silenciosa. Aqueles que ousam questionar práticas injustas, que exigem condições dignas ou que simplesmente não se curvam às vontades dos que controlam os bastidores do poder, tornam-se alvos. Um pequeno deslize – ou, pior, um incômodo para alguém “importante” – e o professor temporário vê sua permanência ameaçada, não por incompetência, mas por não fazer parte do jogo sujo das indicações e favores.

O sistema educacional, que deveria ser pautado pelo mérito e pelo compromisso com a aprendizagem, se tornou um terreno fértil para interesses pessoais. Superintendências que deveriam garantir um ensino de qualidade se transformam em castelos de privilégios, onde alguns se agarram ao poder distribuindo benefícios a amigos e aliados. Enquanto isso, professores temporários vivem à sombra do medo: medo de uma denúncia velada, de um corte arbitrário, de uma retaliação camuflada de “reorganização administrativa”.

Essa lógica perversa não apenas desmotiva os docentes, mas também corrói a qualidade da educação. Como exigir compromisso de quem é tratado como provisório? Como esperar inovação e dedicação de professores que, todos os dias, se perguntam se terão trabalho no mês seguinte? A escola pública precisa de educadores engajados, mas, ao invés disso, produz vítimas de um ciclo de desgaste e insegurança.

A consequência mais cruel desse processo está na saúde mental dos professores. A ansiedade se torna rotina, o estresse se acumula e, aos poucos, a paixão pela docência se transforma em uma resistência exausta. São profissionais que, além de ensinarem, precisam sobreviver às pressões de uma estrutura que não os protege. Muitos adoecem, silenciosamente. Outros desistem, engolidos pela frustração de um sistema que os obriga a provar seu valor repetidas vezes, sem nunca oferecer um chão firme para pisar.

Os governantes e secretários de educação, distantes dessa realidade, seguem fazendo discursos sobre valorização docente, ignorando que dentro das escolas se perpetua um modelo de trabalho desumano. O que fazem diante disso? Criam políticas efetivas de estabilidade? Reavaliam os critérios de contratação e permanência? Combater a injustiça exige coragem, mas parece que os gestores preferem a omissão, enquanto os professores temporários continuam à deriva.

É preciso romper esse ciclo. A escola pública não pode ser administrada como um feudo, onde poucos têm poder absoluto sobre o futuro dos demais. A luta pela educação passa necessariamente pela luta por justiça dentro das escolas. Um sistema que persegue seus próprios professores está falhando com seus alunos, e enquanto essa realidade não mudar, a verdadeira educação seguirá sendo apenas uma promessa vazia.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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