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Setembro Amarelo: filosofia e o cuidado com a vida

Setembro é um mês de reflexão e conscientização. O Setembro Amarelo, campanha dedicada à prevenção do suicídio, nos lembra da urgência

5 mins de leitura

em 24 de set de 2024, às 11h59

Foto: Freepik
Foto: Freepik

Por Eduardo Machado

Setembro é um mês de reflexão e conscientização. O Setembro Amarelo, campanha dedicada à prevenção do suicídio, nos lembra da urgência de falar sobre o cuidado com a vida. Como professor de filosofia em uma escola pública estadual, sinto a responsabilidade de trazer essa discussão de forma sensível e, ao mesmo tempo, técnica para o espaço da sala de aula, onde a escuta e o acolhimento devem estar sempre presentes. A filosofia, mais do que uma reflexão teórica, é uma prática de vida, e nada pode ser mais urgente do que refletir sobre como cuidar de nós mesmos e dos outros.

A filosofia nos oferece um ponto de partida essencial: a compreensão da existência humana em sua complexidade. Desde a Grécia Antiga, os filósofos se dedicam a entender o que é viver bem, o que significa ser feliz e como lidar com o sofrimento. Aristóteles, por exemplo, falava sobre a “eudaimonia”, uma vida de bem-estar, alcançada através da virtude e da busca pelo equilíbrio. No entanto, essa “vida boa” nem sempre parece acessível. O sofrimento psíquico, muitas vezes silencioso, é uma realidade que não pode ser ignorada. Nossos jovens, alunos com quem convivemos todos os dias, estão atravessando um período de profundas transformações emocionais e sociais, e o Setembro Amarelo nos convida a olharmos para isso com cuidado e atenção.

A escola é um lugar privilegiado para cultivar o cuidado. Aqui, temos a chance de promover uma escuta atenta, um diálogo acolhedor e, acima de tudo, um espaço seguro para que os estudantes possam expressar suas angústias. Em tempos de tanta pressão, de expectativas e frustrações, falar sobre o valor da vida e sobre como enfrentar o sofrimento torna-se uma tarefa educativa e, mais ainda, humana. E é nesse ponto que a filosofia pode ser uma ferramenta poderosa.

Em sala de aula, quando falamos sobre ética, sobre o que é viver bem, abrimos caminho para discutir também o que fazer quando viver se torna um fardo. Filósofos como Sêneca e os estoicos nos ensinam sobre a aceitação das dificuldades, sem perder a dignidade. Viktor Frankl, sobrevivente do Holocausto e fundador da Logoterapia, fala sobre o sentido da vida mesmo em meio ao sofrimento extremo. Ele nos lembra que, apesar de não podermos controlar todas as circunstâncias, podemos encontrar significados em nossas experiências. Trazendo isso para o ambiente escolar, podemos ajudar os alunos a entender que, por mais difícil que seja a caminhada, há sempre uma possibilidade de reconstrução, de busca por um novo sentido.

Mas não basta apenas falar; é preciso criar ações concretas de cuidado. Isso começa com a escuta. Como professores, somos muitas vezes as primeiras pessoas a perceber sinais de que algo não vai bem com nossos alunos. O silêncio excessivo, a apatia, o isolamento — tudo isso pode ser indícios de sofrimento psíquico. É fundamental que tenhamos a sensibilidade de observar e, ao mesmo tempo, a técnica de saber como agir. O Setembro Amarelo não se limita a oferecer informações sobre o suicídio, mas nos desafia a desenvolver estratégias de acolhimento e apoio. E isso significa, muitas vezes, encaminhar o aluno para o atendimento psicológico, garantir que ele saiba que não está sozinho e que existem redes de apoio dispostas a ajudar.

Cuidar também é criar espaços de acolhimento e diálogo em nossas aulas. Abrir conversas sobre saúde mental, sobre como lidar com as próprias emoções, sobre a importância de falar quando algo não vai bem, são maneiras de quebrar o tabu que ainda envolve o tema. A filosofia pode entrar aqui como uma mediadora dessas conversas. Ao discutir autores que abordam o sofrimento humano, como Schopenhauer, Nietzsche ou Camus, podemos ajudar os alunos a entenderem que as crises fazem parte da condição humana e que enfrentá-las faz parte do nosso processo de desenvolvimento.

É importante também que, ao falar de cuidado, possamos ensinar sobre o autocuidado. O filósofo francês Michel Foucault, em seus estudos sobre o “cuidado de si”, resgata a ideia do cuidado como uma prática ética, como algo que precisa ser cultivado dia após dia. Cuidar de si mesmo não é egoísmo, mas um ato de resistência em um mundo que muitas vezes nos exige demais. Para os alunos, isso pode significar aprender a estabelecer limites, a identificar quando precisam de ajuda e, principalmente, a se permitir momentos de pausa e reflexão.

Como professor, vejo que o Setembro Amarelo é uma oportunidade para lembrar aos estudantes que suas vidas importam, que seus sentimentos são válidos e que, mesmo nas horas mais difíceis, há sempre uma possibilidade de recomeço. A filosofia nos ensina que não existem respostas prontas para o sofrimento, mas nos dá a sabedoria de buscar sempre o diálogo, o apoio e a compreensão.

É nesse espírito que devemos agir: com empatia, com respeito e com a certeza de que cuidar do outro é, em última instância, cuidar da humanidade. Em tempos de Setembro Amarelo, mais do que nunca, precisamos ensinar que viver é um ato de coragem, e que essa coragem pode ser compartilhada. A escola, a filosofia, e nós, professores, somos agentes desse cuidado. Porque cuidar é, antes de tudo, uma escolha — uma escolha que fazemos diariamente em prol da vida.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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