A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado está discutindo uma proposta que, se aprovada, pode privatizar áreas de praias que hoje pertencem à União. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 transfere os chamados terrenos de marinha aos seus ocupantes particulares, mediante pagamento. A transferência de áreas ocupadas por Estados e municípios será gratuita.
Para especialistas, a medida pode causar ocupação desenfreada da orla, no momento em que as mudanças climáticas recomendam o contrário.
– Os chamados terrenos de marinha são áreas situadas na costa marítima brasileira, incluindo as praias e o contorno de ilhas.
– Eles correspondem a uma faixa de 33 metros, medidos a partir da posição do preamar médio (maré cheia). Também são considerados terrenos marinhos as margens dos grandes rios, lagos e lagoas.
– Os moradores que ocupam essas áreas estão sujeitos ao regime de aforamento, sendo obrigados a pagar anualmente à União uma taxa sobre o valor do terreno.
– A propriedade do imóvel é compartilhada na proporção de 83% do terreno para o cidadão e 17% para a União. Sobre o porcentual federal, os ocupantes pagam as taxas de foro e laudêmio.
– O tributo é calculado sobre o valor venal (estimado pela prefeitura) do imóvel.
De acordo com o senador Rogério Carvalho (PT-GO), que convocou a audiência pública, a proposta que distribui esses imóveis entre os Estados, municípios e particulares altera a Constituição e pode impactar o Balanço Geral da União e as receitas decorrentes desses pagamentos. Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada em votação no Senado, ainda sem data definida.
Atualmente, a lei prevê que, embora os ocupantes legais tenham a posse e documentos do imóvel, as áreas litorâneas, inclusive as praias, pertencem à União e não podem ser fechadas, ou seja, qualquer cidadão tem o direito de acesso ao mar. Com a extinção do terreno de marinha, o proprietário passaria a ser o único dono, podendo transformar a praia em espaço particular.
Ambientalistas afirmam que o texto dá margem para a criação de praias privadas, além de promover riscos para a biodiversidade e para as comunidades tradicionais de pescadores e caiçaras. Atualmente, partes de áreas urbanas de grandes cidades litorâneas, como Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (BA), Florianópolis (SC) e Santos (SP), estão dentro da faixa de marinha.
O relator da PEC, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), já se posicionou favorável ao projeto que, segundo ele, vai atingir 521 mil propriedades cadastradas pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Carvalho, no entanto, afirma que o tema demanda maior discussão devido ao impacto que pode acarretar ao meio ambiente e às comunidades de pescadores.
A proposta foi aprovada pela Câmara em fevereiro de 2022. Conforme o projeto, os proprietários pagariam pelos 17% que pertencem à União em um prazo de até dois anos. Nesta segunda-feira, 27, uma consulta pública aberta pelo Senado para aferir o apoio à PEC tinha 641 votos sim e 39.534 votos não.
O pesquisador Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), disse ao Estadão que a aprovação da proposta pode acelerar ainda mais a ocupação das faixas litorâneas, que já foi feita de forma errada, segundo ele.
“Prédios e condomínios foram construídos quase dentro da água, com a retirada da restinga e dos manguezais que protegem a faixa de areia. O desprovimento das áreas de marinha levará a uma maior ocupação dessas áreas no momento em que as mudanças climáticas vão tornar as grandes ressacas mais frequentes”, afirmou.
Estadao Conteudo
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