Uma reflexão filosófica

Em um mundo onde a informação circula com uma velocidade vertiginosa e onde a fronteira entre o verdadeiro e o falso é cada vez mais tênue

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em 03 de set de 2024, às 12h21

Foto: Ilustrativa/Pixabay
Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Eduardo Machado

Em um mundo onde a informação circula com uma velocidade vertiginosa e onde a fronteira entre o verdadeiro e o falso é cada vez mais tênue, a educação emerge como uma ferramenta essencial na formação de cidadãos críticos. Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, percebo que a missão de educar nunca foi tão desafiadora e, ao mesmo tempo, tão necessária. A filosofia, com sua vocação para o questionamento e a reflexão, oferece instrumentos valiosos para navegar por esse mar turbulento de informações e desinformações.

A filosofia, desde seus primórdios, se dedicou à busca da verdade. Platão, em sua “Alegoria da Caverna”, nos apresenta a imagem de seres humanos acorrentados, cuja única percepção do mundo se dá através das sombras projetadas na parede de uma caverna. Essas sombras, para os prisioneiros, são a realidade, mas, na verdade, são apenas distorções. A educação, nesse contexto, é o processo de libertação das correntes, a jornada em direção à luz, ao conhecimento verdadeiro. Em tempos de desinformação, a educação filosófica é o que nos permite sair da caverna, questionar as sombras e buscar a realidade que elas escondem.

O pensamento crítico, uma das principais habilidades que a educação filosófica busca desenvolver, é o antídoto contra a aceitação passiva da informação. Descartes, com seu “Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo), nos ensina a importância da dúvida metódica. Questionar, duvidar e buscar fundamentação são atitudes essenciais em um mundo onde as “fake news” se proliferam. Um cidadão crítico não se contenta com a primeira impressão; ele investiga, compara, avalia as fontes e pondera as evidências. Esse exercício de pensamento crítico deve ser cultivado desde cedo, e a escola é o espaço privilegiado para isso.

Entretanto, formar cidadãos críticos exige mais do que apenas transmitir conteúdos; é preciso criar um ambiente onde o diálogo e a reflexão sejam centrais. A educação deve ser dialógica, inspirada no pensamento de Paulo Freire, que via a educação como um processo de libertação. Para Freire, o diálogo é fundamental, pois é nele que se dá o encontro de consciências críticas, capazes de transformar a realidade. Em tempos de desinformação, onde narrativas falsas muitas vezes encontram terreno fértil na ausência de debate, promover o diálogo é essencial para a construção de um pensamento crítico coletivo.

Além disso, a filosofia nos ensina a lidar com a complexidade. A realidade não é simples, e as questões sociais, políticas e éticas que enfrentamos hoje exigem uma compreensão profunda e multifacetada. A formação de cidadãos críticos implica em prepará-los para lidar com essa complexidade, evitando reducionismos e compreendendo as múltiplas camadas de significado presentes em qualquer questão. A filosofia, com sua tradição de análise conceitual e argumentativa, é a ferramenta ideal para esse fim.

Um aspecto fundamental nessa formação é a ética da informação. Em “A Ética a Nicômaco”, Aristóteles nos fala da importância da virtude, da moderação e da busca pelo bem comum. Na era da informação, isso se traduz na responsabilidade que temos ao consumir e compartilhar informações. A ética da informação envolve não apenas a verificação da veracidade dos dados, mas também a reflexão sobre as consequências de sua disseminação. Devemos ensinar nossos alunos a serem não apenas críticos, mas também éticos em sua relação com a informação.

É nesse contexto que a educação deve promover a alfabetização midiática. Isso significa ensinar os alunos a compreender como as informações são produzidas, distribuídas e consumidas, assim como a identificar as intenções por trás das mensagens. A filosofia pode contribuir significativamente para isso ao proporcionar ferramentas analíticas que permitem desconstruir discursos, identificar falácias e reconhecer manipulações. Em um mundo onde a desinformação é uma arma poderosa, essa capacidade analítica se torna um escudo necessário.

No entanto, a formação de cidadãos críticos não se limita ao ambiente escolar. Como professor, vejo a educação como um processo contínuo, que deve envolver a família, a comunidade e a sociedade em geral. A educação para a criticidade deve ser um esforço coletivo, onde todos os atores sociais participam ativamente na construção de uma sociedade mais informada, consciente e menos suscetível à manipulação.

O filósofo Immanuel Kant, em sua obra “Crítica da Razão Pura”, nos alerta para os limites do conhecimento humano, mas também nos encoraja a buscar a autonomia do pensamento. Essa autonomia, que é o cerne do projeto iluminista, é o que nos permite resistir à manipulação e à desinformação. A educação, nesse sentido, deve ser vista como o caminho para essa autonomia, para a emancipação intelectual e moral dos indivíduos.

Em tempos de desinformação, a educação crítica não é apenas uma necessidade; é um imperativo ético. Formar cidadãos capazes de discernir entre o verdadeiro e o falso, de questionar as narrativas dominantes e de agir de acordo com princípios éticos sólidos é o maior desafio e a maior responsabilidade dos educadores hoje. A filosofia, com sua tradição de questionamento, análise e reflexão, tem muito a oferecer nesse processo, e cabe a nós, professores, fazer uso dessa herança para preparar nossos alunos para os desafios do presente e do futuro.

Investir na educação crítica é investir na preservação da verdade, da democracia e da dignidade humana. É formar cidadãos que, como Sócrates, saibam que a verdadeira sabedoria está em reconhecer os limites do próprio conhecimento, mas que também tenham a coragem de buscar, incessantemente, a verdade em um mundo onde ela muitas vezes é obscurecida.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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