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Filosofia em tempos de eleição

Em períodos eleitorais, as discussões sobre cidadania se tornam mais intensas e necessárias. Como professor de filosofia

5 mins de leitura

em 17 de set de 2024, às 10h32

Foto: Divulgação | TSE
Foto: Divulgação | TSE

Por Eduardo Machado

Em períodos eleitorais, as discussões sobre cidadania se tornam mais intensas e necessárias. Como professor de filosofia em uma escola pública estadual no Espírito Santo, percebo que essa é uma oportunidade essencial para refletir com meus alunos sobre o papel que cada um de nós desempenha na construção da sociedade. A filosofia, com seu convite constante ao pensamento crítico, se revela como uma ferramenta indispensável para entendermos o verdadeiro sentido de cidadania nesses momentos de decisão.

Desde Sócrates, que caminhava pelas ruas de Atenas questionando seus concidadãos, a filosofia nos ensina a não aceitar respostas fáceis. Em tempos de eleição, isso é ainda mais relevante. A cidadania, que vai muito além do ato de votar, envolve a capacidade de analisar criticamente o cenário político, questionar propostas e entender como nossas escolhas impactam a vida coletiva. Não basta apenas cumprir o dever de votar; é preciso compreender as responsabilidades que vêm junto com esse direito. Nesse sentido, o exercício da cidadania se transforma em uma prática ativa de reflexão sobre o bem comum e a justiça social.

O estudo da filosofia política nos ajuda a navegar por essas questões. Filósofos como John Locke e Jean-Jacques Rousseau, em suas obras, discutiram profundamente a relação entre governantes e governados. Para Rousseau, no seu célebre “O Contrato Social”, o poder legítimo só existe quando consentido pelos governados, ou seja, quando nós, cidadãos, participamos de forma consciente das escolhas que moldam o futuro da sociedade. Entender a política como um contrato, e o voto como uma assinatura nesse acordo, nos convida a refletir com seriedade sobre o impacto de nossas decisões, evitando a superficialidade ou a adesão a promessas vazias.

A escola pública, espaço de diversidade social e cultural, é um terreno fértil para essas discussões. Nela, somos constantemente desafiados a lidar com uma variedade de informações, muitas vezes distorcidas ou manipuladas, especialmente em períodos eleitorais. O papel do professor é fundamental: não apenas transmitimos conteúdos, mas buscamos formar cidadãos críticos, capazes de distinguir o que é manipulação política do que é um debate legítimo. Por meio do ensino de filosofia, trabalhamos conceitos como justiça, liberdade e igualdade, e ajudamos nossos alunos a compreender o que realmente significa viver em uma sociedade democrática.

A filosofia, porém, não nos oferece respostas prontas; ela nos ensina a fazer as perguntas certas. Em tempos de eleição, isso se torna crucial. A capacidade de questionar e argumentar nos dá as ferramentas para escapar das armadilhas de discursos polarizados e populistas. O voto consciente nasce dessa postura reflexiva, que não se deixa levar pelo imediatismo ou pela emoção, mas busca entender as consequências das escolhas políticas. Uma educação filosófica bem estruturada prepara os estudantes para exercerem seu papel de cidadãos de forma autônoma, cientes de que a política é uma construção coletiva e que cada ação individual tem o potencial de transformar a sociedade.

No entanto, os desafios são grandes. Vivemos em um momento de intensa polarização, em que as redes sociais amplificam discursos extremistas e tornam o diálogo cada vez mais difícil. A filosofia do diálogo, como defendida por pensadores como Jürgen Habermas, torna-se essencial para restaurar a possibilidade de um debate democrático. Habermas argumenta que a democracia só pode sobreviver quando há espaço para a comunicação racional, para a escuta e o respeito às diferentes perspectivas. Em tempos de eleição, precisamos resgatar essa capacidade de ouvir o outro, mesmo quando discordamos, buscando sempre o bem comum.

O exercício da cidadania, contudo, não se encerra no momento do voto. Eleições são apenas uma etapa de um processo mais amplo de participação política. A verdadeira cidadania exige envolvimento constante — seja cobrando transparência dos governantes, participando de movimentos sociais ou contribuindo para debates que busquem a melhoria das condições de vida da população. Aristóteles, em sua visão do ser humano como um “animal político”, nos lembra que nossa existência em sociedade implica em um compromisso contínuo com a vida pública e o bem-estar coletivo.

Ensinar filosofia em uma escola pública, especialmente em tempos de eleição, é ensinar cidadania ativa e consciente. É provocar nos estudantes o desejo de pensar por si mesmos, de buscar a verdade por meio da análise crítica e de entender que suas escolhas políticas têm consequências reais no mundo. Em uma época marcada por desinformação e extremismos, a filosofia oferece um caminho de lucidez e responsabilidade, ajudando a formar cidadãos que entendem que o futuro da democracia depende, em última instância, da qualidade de nossas decisões.

Dessa forma, as eleições não são apenas um evento político, mas também uma oportunidade educacional. Para nós, professores de filosofia, é o momento de reforçar o valor da democracia, do pensamento crítico e da participação cidadã. A filosofia nos ensina que a cidadania consciente é, antes de tudo, uma cidadania fundamentada na reflexão, na busca pelo diálogo e no compromisso com o bem comum. E é na sala de aula que começamos a construir essa consciência, preparando os cidadãos do futuro para um mundo que precisa, mais do que nunca, de mentes críticas e corações engajados.

** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM

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