Quando o mundo cobra o que ainda não sabemos dar
Na juventude, tudo parece urgente. Aos 17 anos, espera-se que o jovem saiba o que quer da vida, que escolha uma profissão, um curso, uma carreira
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Por Eduardo Machado
Na juventude, tudo parece urgente. Aos 17 anos, espera-se que o jovem saiba o que quer da vida, que escolha uma profissão, um curso, uma carreira — como se fosse possível decidir o rumo de décadas a partir de vivências ainda tão limitadas. É nesse cenário que milhares de adolescentes se veem pressionados, em uma encruzilhada que não oferece tempo nem escuta para a dúvida.
A escola, muitas vezes, trata a escolha profissional como um ponto de chegada. Aulas de “orientação vocacional” resumem-se a testes e planilhas de salários médios, desconsiderando singularidades, sonhos e realidades. A família, por sua vez, alterna entre o desejo de proteção e o medo do fracasso: querem o melhor para seus filhos, mas frequentemente não conseguem enxergar que esse “melhor” talvez não esteja nos caminhos tradicionais, nem nos cursos mais concorridos.
E os próprios jovens? Sentem-se perdidos entre expectativas externas e desejos internos que ainda nem conseguiram nomear. Como escolher uma carreira se mal tivemos tempo de experimentar o mundo? Como definir um futuro quando ainda estamos descobrindo quem somos?
Nesse contexto, disciplinas como Projeto de Vida cumprem um papel fundamental. Mais do que ajudar a escolher uma profissão, elas propõem um exercício de autoconhecimento, reflexão e planejamento a longo prazo. Ao estimular os estudantes a pensarem sobre suas histórias, valores, emoções e propósitos, essas aulas criam um espaço seguro para a construção de sonhos que dialogam com a realidade. Elas não impõem um destino, mas ajudam a trilhar caminhos mais conscientes, com base no que cada jovem é — e não apenas no que o mercado exige.
Por isso, o preparo do professor que conduz essa disciplina é decisivo. Não basta boa vontade: é preciso formação, sensibilidade e ética. O educador de Projeto de Vida deve saber escutar sem julgar, orientar sem impor, inspirar sem colonizar os desejos dos estudantes. Ele não é um guru, nem um corretor de futuros, mas alguém que caminha junto, que respeita o tempo de cada um e acolhe a incerteza como parte legítima do processo. Diante de tantos sonhos frágeis e potentes, sua maior tarefa é cultivar a confiança: no mundo, nos jovens — e principalmente neles mesmos.
O problema é estrutural: vivemos em uma sociedade que valoriza a produtividade antes da subjetividade. Que pergunta “o que você vai ser quando crescer?” antes mesmo de perguntar “como você está?”. Que vê a carreira como sinônimo de identidade, como se nossa profissão fosse capaz de traduzir a complexidade da nossa existência.
Não é à toa que tantos jovens chegam à universidade adoecidos, inseguros, ou simplesmente desmotivados. Escolheram o curso que “dava dinheiro”, que “tinha status”, que “o pai queria” — e deixaram para trás suas paixões, intuições e talentos ainda não desenvolvidos. É como plantar uma árvore com raízes cortadas.
É preciso coragem para dizer o óbvio: está tudo bem não saber. Está tudo bem mudar de ideia. Está tudo bem experimentar. O mundo não precisa de jovens “resolvidos”, mas de jovens vivos, com espaço para crescer, errar e recomeçar. Em vez de pressioná-los por respostas definitivas, deveríamos acompanhá-los em suas perguntas.
Escolher uma carreira não é um evento, é um processo. Um processo que se faz com escuta, com presença e com liberdade. Talvez o melhor que possamos oferecer à juventude não seja um conselho pronto, mas um silêncio acolhedor. Uma pausa para que encontrem, dentro de si, aquilo que o mundo ainda não conseguiu ouvir.
** Eduardo Machado é filósofo, professor e psicanalista.
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