A filosofia do autorespeito
Um aspecto importante nessa construção do respeito próprio é ajudar o estudante a desenvolver a resiliência e a entender que ele não precisa se comparar aos outros para encontrar seu valor.
6 mins de leitura
em 12 de nov de 2024, às 13h25
Por Eduardo Machado
Ensinar em uma escola pública estadual é muito mais do que simplesmente focar nos conteúdos. É lidar diariamente com a formação do caráter, com as dificuldades e potencialidades de cada aluno, com a diversidade de sonhos e realidades que se encontram em uma sala de aula. E, como professor de filosofia, vejo de perto a importância de cultivar o autoconhecimento e, com ele, o respeito próprio. A filosofia pode, e deve, inspirar o desenvolvimento da autoestima dos alunos, mostrando que cada um deles tem um valor único e um potencial a ser explorado. No entanto, é preciso esforço e atenção de todos os envolvidos para que o ambiente escolar se torne um espaço que promova o crescimento pessoal dos estudantes e não um lugar que os fragilize ainda mais.
No contexto educacional, é comum nos depararmos com alunos que carregam consigo uma série de inseguranças. Essas inseguranças, muitas vezes, têm origem nas próprias relações dentro da escola. Comentários depreciativos, comparações entre os estudantes e julgamentos impensados são práticas que minam a confiança dos alunos. Infelizmente, muitos jovens veem seu potencial comprometido pela pressão de um sistema educacional que valoriza números e médias, mas que frequentemente esquece que, por trás de cada resultado, existe uma pessoa. A filosofia nos ensina que autoconhecimento e autorrespeito andam de mãos dadas, e que é fundamental entender o próprio valor para agir de forma respeitosa e segura no mundo. Para um aluno, essa compreensão é crucial, pois o ajuda a construir uma autoestima sólida e a navegar por um ambiente que muitas vezes se torna hostil.
O filósofo Jean-Paul Sartre dizia que “somos condenados a ser livres”. Essa liberdade traz consigo a responsabilidade de definir quem somos e, mais ainda, a de nos tornarmos alguém que respeitamos. Para o adolescente, um momento de intenso processo identitário, a busca pelo autorrespeito não é fácil. O jovem busca se definir, e qualquer mensagem desestimulante recebida ao longo desse processo pode ecoar fortemente, causando sérios impactos na sua confiança. Por isso, é essencial que o ambiente escolar seja um espaço seguro e que encoraje esse desenvolvimento. O professor, especialmente o de filosofia, tem a oportunidade de inspirar os alunos a olharem para si mesmos de maneira honesta e, acima de tudo, respeitosa.
Um aspecto importante nessa construção do respeito próprio é ajudar o estudante a desenvolver a resiliência e a entender que ele não precisa se comparar aos outros para encontrar seu valor. Infelizmente, o ambiente escolar muitas vezes incentiva comparações, seja através das notas, seja pelo destaque dado a alguns alunos em detrimento de outros. Em uma sala de aula, não deveria haver espaço para competições danosas, pois cada aluno tem seu ritmo de aprendizado e sua forma de se expressar. Em vez disso, o professor deve incentivar a autocomparação saudável, levando o estudante a perceber seu próprio progresso e a celebrar suas conquistas, por menores que pareçam. Ao criar essa cultura de valorização do esforço e da autocomparação, damos aos alunos a oportunidade de entender que o caminho é tão importante quanto o destino.
Esse apoio na construção da autoestima é algo que exige dedicação e empatia, mas também firmeza. É necessário que o professor combata, de forma incisiva, qualquer prática que reforce estereótipos ou diminua os alunos, seja em suas capacidades, seja em sua dignidade. Isso inclui não apenas repreender atitudes discriminatórias, mas também evitar padrões de comunicação que possam passar uma mensagem de desvalorização. Um professor desatento às palavras que usa, que não valoriza a opinião do aluno, ou que faz comparações desnecessárias, contribui para uma sensação de inadequação. A filosofia, ao longo da história, tem sido um exercício de respeito pelo outro e de consideração por suas perspectivas. Quando não levamos isso para a sala de aula, falhamos em passar um dos maiores ensinamentos que a filosofia nos oferece.
Além disso, a cultura do respeito próprio e da autoestima não pode ser algo que apenas abordamos em uma aula específica ou durante uma conversa pontual. Ela precisa estar presente em cada interação, em cada aula, e ser sustentada por um ambiente escolar que valorize, de fato, o ser humano que está se desenvolvendo ali. Na prática, isso significa reconhecer o esforço e a dedicação dos alunos, incentivá-los a não desistirem diante das dificuldades e ajudá-los a construir uma visão positiva de si mesmos, baseada no seu valor como indivíduos e não apenas em seus resultados escolares.
É necessário também que nós, professores, estejamos atentos aos sinais de baixa autoestima e ao impacto que as dificuldades escolares causam na vida dos alunos. Às vezes, o problema não está em uma “falta de interesse” ou “preguiça”, mas em uma dificuldade de se verem como dignos ou capazes. A filosofia nos ensina a sermos questionadores e reflexivos, e essa mesma prática deve ser aplicada para entender o que realmente afeta o aluno. Ter essa consciência nos ajuda a agir de forma empática e assertiva, mostrando que há espaço para crescimento e superação. Estar ao lado do aluno, valorizando seu potencial e seu esforço, pode transformar o modo como ele vê o próprio caminho.
Por fim, é imprescindível que o professor seja um modelo de autorrespeito. Se exigimos que o aluno se respeite, que seja confiante e que acredite em suas capacidades, precisamos mostrar isso em nossas próprias atitudes. O modo como tratamos a nós mesmos, como enfrentamos nossas falhas e como respeitamos o espaço e o tempo dos alunos são elementos que constroem, por exemplo, uma relação de confiança e respeito mútuo. Ser um professor de filosofia que vive e pratica o que ensina sobre respeito próprio e autoconfiança inspira os alunos a fazerem o mesmo.
Infelizmente, ainda convivemos com práticas que vão contra essa construção de autoestima. É comum, ainda, ver estudantes desestimulados, que carregam o peso das palavras negativas e das desvalorizações que receberam ao longo do percurso escolar. Em um ambiente onde o respeito próprio não é incentivado, a insegurança ganha força. E quando o aluno deixa a escola com uma visão negativa de si mesmo, a educação falha em um de seus propósitos mais importantes: o de preparar cidadãos conscientes, confiantes e respeitosos, capazes de enfrentar a vida com determinação.
A filosofia do autorrespeito, portanto, é essencial no ambiente escolar. Quando cultivamos a autoestima dos alunos e ensinamos o valor do respeito por si mesmo, estamos não apenas educando, mas transformando vidas. Que possamos, como professores, ser agentes dessa transformação, criando um espaço onde cada estudante se sinta valorizado e capaz de realizar seu próprio potencial, para além das notas e das métricas escolares. Afinal, o verdadeiro sucesso na educação está em formar pessoas que confiem em si mesmas e saibam que merecem respeito — da escola, dos colegas e, acima de tudo, de si próprias.
** Eduardo Machado é filósofo e professor especialista de Filosofia, licenciado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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