A “Lei Antigênero” no Espírito Santo sob uma lente pedagógica
Nas últimas semanas, o Espírito Santo tornou-se palco de um retrocesso preocupante na educação: a promulgação da Lei nº 12.479/2025, apelidada de “Lei Antigênero”
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Por Eduardo Machado
Nas últimas semanas, o Espírito Santo tornou-se palco de um retrocesso preocupante na educação: a promulgação da Lei nº 12.479/2025, apelidada de “Lei Antigênero”. Sob o argumento de “proteger” as famílias, a norma obriga escolas públicas e privadas a obterem autorização por escrito dos pais para abordar identidade de gênero, orientação sexual, diversidade e igualdade de gênero. Na prática, esse mecanismo transforma um direito de aprender em um privilégio condicionado, criando um filtro moral que não apenas desrespeita a liberdade de cátedra, mas compromete o papel formativo da escola.
A educação, especialmente no século XXI, não pode se limitar a listas de conteúdos estanques. Ela precisa preparar os jovens para enfrentar a vida em sociedade, com suas diferenças, conflitos e pluralidades. Temas como identidade de gênero e orientação sexual não são “acréscimos ideológicos” ao currículo, mas parte inseparável da formação cidadã. Ignorá-los é como ensinar história sem falar sobre escravização ou guerras; é ocultar verdades essenciais para compreender o mundo. A Base Nacional Comum Curricular reconhece isso ao incluir, entre as competências gerais da educação básica, o respeito à diversidade, o combate a preconceitos e a valorização das múltiplas identidades humanas. Ao censurar essas discussões, a lei rompe com essas diretrizes e compromete a capacidade de os alunos compreenderem e respeitarem o outro.
Além disso, vivemos em um tempo em que o bullying, a violência escolar e a exclusão social muitas vezes têm raízes em preconceitos ligados a gênero e sexualidade. Discutir esses temas em sala de aula não é “doutrinar”; é prevenir violência, salvar vidas e criar ambientes mais seguros. Um estudante que entende que o colega pode ter uma orientação sexual ou identidade de gênero diferente da sua tende a agir com mais empatia e menos agressividade. Ao retirar esse debate do espaço escolar, a lei não protege crianças — expõe-nas a um ciclo de ignorância que alimenta o preconceito.
Do ponto de vista pedagógico, negar a abordagem de gênero e diversidade é uma falha grave. É impedir que o aluno exercite o pensamento crítico sobre questões que ele inevitavelmente encontrará fora da escola — e sem a mediação segura de um professor capacitado. É entregar a formação moral e ética das novas gerações ao improviso de redes sociais, a fake news e discursos de ódio, em vez de promover o diálogo fundamentado em dados, ciência e direitos humanos.
Mais grave ainda, a medida contraria as diretrizes da BNCC e afronta a competência constitucional da União para definir políticas educacionais, criando um terreno fértil para disputas judiciais que já se multiplicam no Tribunal de Justiça do Estado, no Supremo Tribunal Federal e em órgãos de controle. Sob a superfície jurídica, no entanto, há uma dimensão humana urgente: cada estudante silenciado é um indivíduo que, diante da omissão deliberada de informações, pode sentir-se isolado, sem referências e sem acolhimento. Em vez de proteger, a lei legitima o apagamento de narrativas, o reforço de estigmas e a perpetuação da ignorância como instrumento de controle.
Em tempos em que a democracia exige mais diálogo, mais escuta e mais conhecimento, é profundamente lamentável que se escolha o caminho da censura e da restrição. Educação que teme a verdade e evita a diversidade não forma cidadãos livres; forma apenas súditos dóceis às conveniências de quem detém o poder.
** Eduardo Machado é filósofo, professor e psicanalista.
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