Ensino técnico no Espírito Santo: uma urgência pedagógica
Essa estrutura, embora nobre em sua intenção, esbarra em um problema fundamental: a ausência de um alicerce pedagógico sólido para os docentes da área técnica
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em 27 de jun de 2025, às 09h41

Por Eduardo Machado
Nos últimos anos, o modelo de ensino técnico integrado ao ensino médio na rede pública estadual do Espírito Santo tem sido uma das principais apostas para qualificar a juventude para o mercado de trabalho. A proposta é, à primeira vista, promissora: oferecer uma formação técnica simultaneamente à formação geral, preparando o aluno tanto para a vida acadêmica quanto para a inserção no mundo do trabalho. Contudo, essa estrutura, embora nobre em sua intenção, esbarra em um problema fundamental: a ausência de um alicerce pedagógico sólido para os docentes da área técnica.
Em muitas escolas técnicas do estado, os professores contratados para ministrar as disciplinas específicas dos cursos técnicos são profissionais oriundos do mercado, muitas vezes com vasta experiência prática em suas áreas — logística, informática, administração, agronegócio, entre outras. No entanto, boa parte desses profissionais chega à sala de aula sem formação pedagógica, sem domínio das bases do processo de ensino-aprendizagem, sem preparo para lidar com adolescentes em formação e com os desafios do cotidiano escolar.
O resultado é preocupante. A prática docente se transforma em mera transmissão de conteúdo técnico, descolada da realidade dos estudantes, de seus contextos sociais e emocionais. As aulas, muitas vezes, se tornam desmotivadoras, fragmentadas, e o ensino técnico, que deveria ser um diferencial, passa a ser uma sobrecarga ou um vazio — tanto para alunos quanto para professores. As taxas de evasão e desinteresse nos cursos técnicos crescem silenciosamente, enquanto se repete a crença de que basta ter conhecimento técnico para saber ensinar.
Apesar desse cenário desafiador, é preciso reconhecer e valorizar os professores que, com esforço pessoal e dedicação, buscam por conta própria adquirir conhecimentos de metodologia e didática, participam de formações, dialogam com colegas das áreas pedagógicas e se preocupam genuinamente com o desenvolvimento integral dos estudantes. Muitos compreendem que ensinar não é apenas transmitir saberes técnicos, mas também acolher, escutar e apoiar adolescentes que enfrentam vulnerabilidades sociais, emocionais e familiares. Esses profissionais são pilares de resistência e cuidado dentro da escola pública, e seu trabalho precisa ser reconhecido, incentivado e apoiado institucionalmente.
É preciso reconhecer: saber fazer e saber ensinar são competências distintas. E o Estado, enquanto gestor e responsável pela qualidade do ensino, não pode ignorar essa diferença. A formação continuada para os professores técnicos não é apenas desejável; é urgente. Devem ser criados programas sistemáticos de capacitação pedagógica, preferencialmente vinculados às universidades públicas, para garantir que esses profissionais se tornem educadores completos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional já aponta para essa necessidade, mas a prática, infelizmente, ainda não acompanha a teoria.
Além disso, é necessário investir em condições materiais adequadas. Muitos laboratórios estão sucateados, faltam materiais específicos, o tempo destinado às disciplinas técnicas é insuficiente para uma aprendizagem significativa. Sem infraestrutura, o discurso da profissionalização vira retórica vazia. E os jovens da escola pública — aqueles que mais precisam de oportunidades — continuam sendo os mais prejudicados.
O ensino técnico não pode ser apenas uma vitrine política. Deve ser uma ponte real entre a escola e a vida. Para isso, é preciso repensar a lógica da contratação de professores técnicos, vinculando-a a exigências formativas e não apenas à experiência de mercado. É preciso garantir acompanhamento pedagógico, supervisão adequada e inserção plena desses profissionais na cultura escolar.
Além disso, é imprescindível valorizar o diálogo entre as áreas do conhecimento. O ensino técnico deve estar articulado com o ensino das ciências humanas, das linguagens, da matemática, das artes. Afinal, formar um técnico competente é também formar um cidadão crítico, ético, sensível e preparado para os desafios de um mundo em constante transformação.
Que o Espírito Santo, pioneiro em tantas inovações educacionais, tenha a coragem de reconhecer seus próprios desafios e investir na construção de um modelo técnico-pedagógico sólido, humano e transformador. Porque enquanto a técnica não for atravessada pela pedagogia, o ensino técnico continuará sendo apenas um esboço do que poderia ser.
** Eduardo Machado é filósofo, professor e psicanalista.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
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