Horizontalidade e interdisciplinaridade

A escola, que deveria ser o espaço da liberdade do pensamento, muitas vezes se transforma em um cenário de hierarquias silenciosas

Sala de aula
Foto: Ilustrativa/Pixabay

Por Eduardo Machado

Receba as principais notícias no seu WhatsApp! clique aqui

Há algo de profundamente equivocado na maneira como ainda concebemos o ensino. A escola, que deveria ser o espaço da liberdade do pensamento, muitas vezes se transforma em um cenário de hierarquias silenciosas, onde o saber é medido por títulos, notas e currículos, e não por experiências, afetos e descobertas. O conhecimento, assim, perde sua vitalidade e se torna apenas um produto a ser transmitido, não um encontro a ser vivido.

O ensino horizontal nasce como um gesto de resistência a essa lógica vertical do saber. Ele parte da premissa de que o ato educativo é, antes de tudo, um ato de encontro — um diálogo entre sujeitos que pensam, sentem e se transformam juntos. O professor, nesse contexto, não abdica de seu papel, mas o ressignifica: ele não é o que impõe verdades, mas o que provoca perguntas. Ensinar horizontalmente é abrir espaço para o imprevisível, é confiar que o aluno também carrega um mundo de saberes e experiências que podem enriquecer o próprio processo de ensino.

Paulo Freire já nos alertava: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Essa ideia, tão simples e tão revolucionária, continua a ser um desafio para um sistema educacional que ainda insiste em ver o aluno como recipiente vazio, e o professor, como emissor infalível. Mas o mundo real, com sua complexidade, diversidade e contradições, exige outro tipo de relação — uma relação em que o saber não desce de cima, mas se constrói em rede, entre olhares e vozes plurais.

A interdisciplinaridade é uma das formas mais ricas de materializar esse ideal. Ela dissolve os muros que separam as disciplinas e convida o pensamento a se mover com liberdade. Quando a Filosofia conversa com a Biologia, nasce a ética ambiental; quando a História se encontra com a Arte, compreendemos os afetos e os medos de uma época; quando a Matemática dialoga com a Música, percebemos que o ritmo também é número e o número também é emoção. A realidade, afinal, não se apresenta compartimentada — e o conhecimento que busca compreendê-la também não deveria ser.

A interdisciplinaridade, porém, não é apenas uma técnica pedagógica. É uma postura existencial. É reconhecer que todo saber humano é atravessado por outros saberes, que a verdade nunca é completa e que aprender é, sempre, estar aberto ao outro. Quando professores de áreas distintas se permitem dialogar, quando estudantes percebem que um problema ético pode ter implicações científicas, sociais e estéticas, então o aprendizado deixa de ser um acúmulo de informações e se torna um exercício de compreensão do mundo e de si mesmo.

Entretanto, há um obstáculo que persiste: o modelo escolar tradicional, herdeiro de uma racionalidade técnica e burocrática, ainda organiza o ensino como uma linha de produção. Há um currículo rígido, horários inflexíveis, disciplinas isoladas e avaliações padronizadas. Nessa estrutura, a criatividade sufoca e a colaboração se torna exceção. O ensino horizontal e interdisciplinar desafia justamente essa lógica, propondo uma escola que respira — onde o conhecimento é um campo de experimentação e não uma forma de controle.

O que está em jogo, mais do que um método, é uma ética da educação. Uma ética fundada no respeito ao outro como sujeito de saber, na valorização da escuta e na abertura ao diálogo. Ensinar horizontalmente é também um ato político, porque rompe com a ideia de que alguns nascem para mandar e outros para obedecer, de que alguns sabem e outros apenas aprendem. É a afirmação de uma pedagogia da igualdade — não da homogeneização, mas da partilha.

Em tempos em que o individualismo e a competição invadem até os espaços de ensino, a horizontalidade surge como um respiro ético. Ela nos lembra que ninguém cresce sozinho. Que educar é cultivar vínculos. Que o verdadeiro conhecimento é aquele que nos aproxima, não o que nos isola.

Talvez a escola do futuro — se ainda quisermos chamá-la assim — não seja a mais tecnológica, mas a mais humana. Uma escola em que o professor não tenha medo de aprender com seus alunos; em que o currículo se dobre às necessidades da vida; em que o saber seja partilhado como pão, e não distribuído como prêmio.

Educar, afinal, é ter fé na humanidade. É acreditar que, no diálogo entre diferentes vozes, é possível construir um mundo mais justo, mais sensível e mais livre. O ensino horizontal e a interdisciplinaridade não são apenas caminhos pedagógicos — são horizontes éticos. São a promessa de uma escola onde o conhecimento volta a ser o que sempre deveria ter sido: um encontro entre consciências que, ao se tocarem, se transformam.

** Eduardo Machado é filósofo, professor e psicanalista.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM